Apostas Desportivas

O dinheiro que (nos) move

Risco a favor das odds

Viver de apostas desportivas parece uma realidade saída de um conto de fadas. Ailton Pereira mostra-nos o contrário, já que só em 2018 decidiu dar um volte face na sua vida e dedicar-se profissionalmente às apostas desportivas online, seis anos depois de ter começado. A odd para o sucesso era baixa, mas nem isso o fez baixar os braços. No início, “não só perdi muito dinheiro como, também, perdi muitas vezes”, confessa o apostador. A falta de “experiência e conhecimento na altura” poderia ter sido a razão para optar por fazer um cash out nas apostas desportivas, mas a perceção de que teria de dar a volta por cima fê-lo fazer all in. “O mais importante não foi isso [derrotas] ter acontecido, não vejo como mau, veria se, porventura, não tivesse refletido sobre isso e percebido o que é que aconteceu. Comecei a perceber que teria que ganhar conhecimentos específicos na área em si e evitar cometer erros que eram muito normais cometer na altura”.

O apito inicial para este tipo de jogo online parece ter sempre o mesmo responsável, a amizade. A entrada no mundo das apostas deu-se por acaso. "Estava na casa de um amigo meu e estávamos a ver um jogo. As coisas não estavam a correr bem enquanto adeptos e o clube que estava a jogar contra o Benfica marcou um golo e o meu amigo festejou. Fiquei um pouco baralhado. Não era suposto ele ter aquela reação. Ele disse-me que tinha acabado de ganhar dinheiro com o golo e eu perguntei como. Explicou-me que tinha apostado que ambas as equipas marcavam naquele jogo, o que tinha acontecido”. Tal como Ailton, também Laura Cainé e Sofia Gonçalves, duas apostadoras ocasionais, deram os primeiros passos por influência dos amigos. Laura, estudante de Medicina, assume que começou porque “uma pessoa vê os amigos e faz igual”. Por sua vez, Sofia, estudante de Línguas Aplicadas, que se registou numa casa de apostas ainda este ano, relembra, por entre risos, como foi convencida. “Foi influência de uma amiga da universidade. Ela disse «aposta, amiga! Instala e, depois, eu digo-te» e foi um bocado assim”.

Ailton Pereira - Apostador Profissional - Fonte // Facebook Ailton

Ailton Pereira - Apostador Profissional - Fonte // Facebook Ailton

Se, por um lado, as duas jovens não são o grupo com mais percentagem de apostadores (18-24 anos), Ailton faz parte da faixa etária com maior representação (25-34 anos). Ao longo dos anos, os grupos até aos 34 anos têm sofrido uma queda, enquanto que os restantes têm vindo a subir.

A razão da entrada parece a mesma, mas os objetivos atuais divergem. Ao contrário de Ailton, no caso de Laura e de Sofia, o entretenimento parece sobrepor-se ao dinheiro. A estudante de Medicina afirma que meteu dez euros inicialmente “e, até ao momento, nunca fiquei abaixo dos dez euros. Claro que não ganho muito dinheiro. Às vezes, o meu irmão aposta cinco euros e eu aposto só um ou dois”. Já para a estudante de Línguas Aplicadas, as apostas não têm sido um mar de notas. “Pela minha experiência pessoal, só prejuízo quase. Por acaso, tenho noção do dinheiro que já apostei: já meti 40 euros e que ganhei, sei lá, para aí três apostas de cinco euros. Obviamente que o prejuízo foi maior que o lucro, também, porque, lá está, é um bocado à toa.  Acho que é um bocado pela facilidade: no caso de ser aplicação, é muito fácil, na medida em que está ali, é imediato, apostas um euro e parece que não é nada”.

A dificuldade de registo, ou a falta dela, nas casas de apostas, segue o mesmo rumo. Os campos de registo (nome, palavra-passe, e-mail, número de telemóvel, nacionalidade, data de nascimento, número de cartão de cidadão, ocupação, morada, cidade, código postal, IBAN e NIF) são de rápido preenchimento e, enquanto o apostador esfrega o olho, já está a escolher quantos golos vão haver num jogo. Difícil é só mesmo acertar os palpites e, para isso, cada um tem o seu método.

O de Ailton, mais robusto, é suportado por três pilares: “estrutura emocional”, “gestão de banca” e “gestão de conhecimento”. “Se eu estiver muito stressado ou com muitos problemas é mais difícil estar concentrado e vou tomar decisões com base na ansiedade, no stress, na frustração e por aí fora”. Por sua vez, “a gestão de banca é, no fundo, olhar para a minha banca e tentar perceber: «ok, vou trabalhar dentro de uma percentagem que vai de 1% a 5%, em cada entrada que eu faça». Se tiver aquelas que são chamadas as sequências negativas, o impacto que isso vai ter dentro da minha banca pode não ser assim tão grave, como se, porventura, fizesse aquilo chamado no poker de all in. Ao optar por esta última opção, poderia andar em tilt, que é basicamente o modo de tentar recuperar aquilo que perdemos. Quando isso acontece estou a destruir o primeiro pilar, a gestão emocional”.

Por fim, a “gestão de conhecimento é muito vaga. Tem a ver com as informações que vou obter, como as vou obter e o que é que significam. É a minha capacidade de olhar para uma odd e perceber por que razão aquilo está assim. Dentro disto, podemos dividir entre lado estatístico e lado analítico”. O lado estatístico é tudo a que “temos acesso, ou seja, vemos quantos jogos a equipa tem, quantas vitórias tem, quem marca mais golos, etc”. Já o lado analítico, “é a parte que nos diferencia a todos, porque eu posso olhar para uma sequência de cinco vitórias de uma equipa e posso ter uma interpretação” e outra pessoa ter outra. “O meu trabalho não é adivinhar o resultado, é olhar para o mercado e perceber quando o mercado comete um erro e quando posso aproveitar”.

Para as estudantes, é tudo bem mais simples. Se Laura faz uso das apostas do irmão e apenas as altera “um bocadinho”, Sofia utiliza as da amiga e do pai e, por vezes, aventura-se sozinha. “É assim, é por influência deles, mas, às vezes, também aposto sozinha. Não percebo nada de desportos, então, é um bocado na fé: vejo as odds e, normalmente, aposto em quatro ou cinco jogos, tudo com odds baixinhas, porque sempre é mais fácil de ganhar”. Já o pai é mais “sonhador e nunca dá em nada”.

Contudo, perceber de desporto aparenta ser só um ingrediente extra na produção de uma aposta. “Não é o facto de saber sobre futebol e, no meu caso, ter sido federado em futebol” que, segundo Ailton, descobres a pólvora das apostas. Um dos segredos para o sucesso é que é “fulcral perceberes onde é que és bom [dentro das modalidades disponíveis para apostar] e, a partir daí, explorar o método que te permita ter sucesso a longo prazo. Neste momento, foco-me em duas modalidades: futebol e ténis. Dentro do futebol, trabalho com a Liga Portuguesa, Alemã, Inglesa, Espanhola e Italiana, e entro, também, na Liga Europa e Liga dos Campeões. No ténis, sou um pouco mais criterioso.

Ao longo da sua carreira, Ailton construiu uma equipa, a Pacato, na qual comercializam “produtos e serviços para a comunidade de apostadores desportivos. O nosso intuito é o nosso conteúdo ser criterioso o suficiente para dar ferramentas aos apostadores para apostarem com segurança, responsabilidade e consciência, e, também, ser educativo, no sentido de tentar distorcer esta ideia que existe em torno deste mundo e passar a verdade”.

Conselho puxa conselho e o apostador profissional lança mais três de uma vez, como se de uma substituição se tratasse, e dirige-se à “malta que está tentar tornar isto num plano A. Nunca usar algo que ponha em causa a segurança de alguém, seja dinheiro para pagar as contas, para comer, para ter um nível de vida saudável é o primeiro conselho que dou para qualquer pessoa desta área e de outra. Não acreditem naquela questão de que daqui a dois meses estão ricos e vão comprar um Lamborghini e vão para as Maldivas, se forem, ótimo, fico contente, mas se não forem continua tudo bem. Depois, o último conselho, é o de sermos realistas e o de que devemos tomar uma decisão consciente”.

Se há treinadores de bancada que veem com bons olhos a dedicação ao mundo das apostas, no caso de Ailton, houve também quem considerasse que poderia estar a colocar a sua carreira em fora de jogo. “Houve quem achasse que estava a cometer um grande erro. Podia ter uma carreira estável na minha área e podia estar a dar um tiro no escuro em algo que é inseguro. No fundo, no final do mês, nunca sabes se vais ter o rendimento A, B ou C, ou se vais ter rendimento. Eu achei normal e a única coisa que tinha na cabeça era «não tenho filhos, não sou casado, tenho uma vida inteira pela frente, se tiver que cometer erros, esta é a altura indicada para o fazer». Atirei-me à descoberta”.

Pandemia das apostas

Quem se atirou também à descoberta durante a pandemia foram os portugueses que viram aumentar a sua participação neste tipo de jogos. Em 2020, houve cerca de 738 mil novos registos em casas de apostas e em jogos de fortuna e azar online, o que representa uma subida de 198 mil inscrições face ao ano transato. Além disso, o último trimestre de 2020 pautou-se por novos recordes, desde logo, por registar o maior volume de inscrições de sempre (cerca de 293 mil).

Pedro Morgado, psiquiatra e professor de psiquiatria na Universidade do Minho, aponta algumas razões para este fenómeno. “Isto aconteceu, provavelmente, porque não há nenhum controlo à volta da publicidade relacionada com este jogo, ao contrário, por exemplo, do que se passou em Espanha, em que o Parlamento proibiu a publicidade ao jogo durante o confinamento. Em Portugal, nenhuma medida foi adotada. Como as pessoas estavam em casa, estavam muito expostas a publicidade, então, passaram a estar mais propensas a jogar”.

Pedro Morgado - Psiquiatra e Professor de Psiquiatria na Uni. Minho - Fonte // Ana Rita Alves - ComUM

Pedro Morgado - Psiquiatra e Professor de Psiquiatria na Uni. Minho - Fonte // Ana Rita Alves - ComUM

Mas voltemos aos números. Se o número de inscrições aumentou, o volume de apostas atingiu números nunca antes vistos e “só regrediu no segundo trimestre de 2020, dado que a maioria dos eventos desportivos foi adiada”, como nos confirma a Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO). No ano de 2019, o volume de apostas foi de cerca de 542 milhões de euros, enquanto que, em 2020, ascendeu aos 808 milhões de euros, o que se traduz num aumento de 32,9%. Se traduzirmos tudo isto para as últimas preocupações do mundo e para os últimos dados relativos ao preço de uma dose da vacina da Pfizer, rapidamente chegaríamos à conclusão de que o montante de 2020 dava para nada mais nada menos do que cerca de 41,5 milhões de doses. Se o segundo trimestre foi a ovelha negra do ano, registando apenas 90,7 milhões de euros do montante, o quarto trimestre saldou as contas e apresentou o maior valor de sempre: 345,4 milhões de euros.

Seguindo a mesma tendência e também como prova de que a pandemia de Covid-19 teve um impacto positivo no mundo das apostas, a receita bruta das entidades exploradoras de apostas desportivas à cota online, mais uma vez, bateu recordes. O valor total de 2020 ascendeu aos 161, 9 milhões de euros, com o maior valor do ano registado no quarto trimestre: 64,1 milhões de euros. Em comparação com 2019, deu-se um aumento de 33,8%. Se alargarmos a visão para outros anos, percebemos que o total conjunto de 2017 e 2018 é de apenas 147 milhões de euros, ou seja, menos 14,9 milhões de euros que no ano passado.

Aos olhos de especialistas, como Pedro Morgado, “temos, hoje, vários problemas relacionados com as apostas desportivas. Em primeiro lugar, porque são um jogo que tem um potencial aditivo muito significativo. Em segundo lugar, porque tudo indica, em termos globais, que o número de apostadores e o valor que é apostado estão a aumentar significativamente ao longo dos últimos anos”. Para o psiquiatra, o jogo tem um potencial aditivo, “porque é um tipo de atividade em que as pessoas recebem prazer, quando ganham, e em que há uma ativação do seu corpo e do seu cérebro para o gosto de jogar”.

Hugo Flores, advogado e professor de Direito na Universidade do Minho, explica que “quando estamos perante atividades que se consideram prejudiciais de alguma forma, como é o caso do jogo, a lógica será a de criar taxas elevadas, onerações fiscais significativas, para, no fundo, reprimir”, como é o caso dos “impostos do pecado. São impostos que são aplicados com o objetivo não só de arrecadar receita, mas também de alterar comportamentos e a alteração de comportamentos seria indo ao bolso dos contribuintes: se é mais caro, há uma moderação do consumo”.  Para o advogado, as taxas cobradas neste contexto não parecem exageradas, "quando comparadas com aquelas aplicadas num contexto diferenciado das entidades que estão sujeitas a impostos gerais. É sempre um equilíbrio complicado de conseguir, porque taxas demasiado elevadas acabam por constituir um incentivo à não declaração e ao não cumprimento".

O Gato e o Rato

Do incentivo à não declaração e ao não cumprimento que se pronunciem as casas de apostas ilegais que tornam este problema ainda maior. De mãos dadas com a publicidade em serviços como o Youtube, “as casas ilegais não pagam impostos de jogo e não precisam de se comprometer com as regras e requisitos rigorosos do regime de jogo. Muitas vezes, são estabelecidas em regiões como o Curaçao, onde os requisitos para obter uma licença são muito fáceis de cumprir”, afirma a APAJO.

Em Portugal, existiam, em 2020, 11 casas de apostas licenciadas para operar em solo luso. Contudo, 56% dos jogadores online de apostas desportivas e de jogos de fortuna e azar jogam ou jogaram em sites ilegais, de acordo com uma sondagem realizada em Portugal Continental e promovida pela APAJO. Esta fuga à legalidade por parte dos apostadores portugueses deve-se a odds mais apelativas e a um incentivo produzido pela publicidade desmedida feita por influencers.

À luz da psiquiatria e de Pedro Morgado, “a publicidade ao jogo é algo que é muito negativo, seja a publicidade legal, seja a publicidade ilegal, seja a publicidade legal indireta que continua a haver, porque há muita publicidade que está proibida, para alguns jogos, mas, depois, nós vemos, sistematicamente, vários jornais a dizer que as pessoas apostaram pouco, mas que ganharam muito e tudo isto contribui para distorções cognitivas e para que as pessoas tenham maior risco de virem a sofrer de adição ao jogo ou jogo patológico”.

À medida que a regulamentação na publicidade vai dando mostras de algumas lacunas, no mundo digital cresce um novo fenómeno, ao qual se tem tentado pôr rédeas. “Relativamente aos youtubers, temos trabalhado com a Google e, através de denúncias ou investigação própria, temos tido conhecimento de que há uma série de youtubers que fazem publicidade a jogos e a entidades que exploram ilegalmente o jogo. Temos trabalhado com o Youtube no sentido de eles removerem essa publicidade. Já conseguimos remover quase 400 vídeos”, afirma Luís Coelho, Diretor Coordenador do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ). Segundo o ponto 1 do artigo 21º do Código da Publicidade de Jogos e Apostas, a publicidade a casas de apostas não deve apelar a aspetos que se prendam com a obtenção fácil de um ganho, não sugerindo sucesso ou êxito social. “O jogo deve ser revestido de um aspeto lúdico para a pessoa, não deve ser visto como uma forma de obtenção de rendimento rápido e fácil. E enquanto nós fizermos as coisas de forma lúdica, não vem grande mal ao mundo daí”, reforça Luís Coelho.

Mas a publicidade acaba por não ser a única dor de cabeça para o SRIJ. Fechar portas a casas ilegais na Internet é um osso ainda mais duro de roer. “O estado licencia as entidades exploradoras para o jogo online. Por isso, toda a atividade que saia fora das licenças é uma atividade ilegal. Sendo uma atividade ilegal, isto é um bocado o jogo do gato e do rato, em que o rato é muito mais esperto e veloz que o gato, porque hoje o mundo da Internet permite que eu atire um URL abaixo, agora, e, três segundos depois, tenha outro”. A maior parte “da caça por sites ilegais” parte de denúncias das próprias entidades exploradoras. O processo acaba por ser por etapas: primeiramente, pedem à casa ilegal para encerrar o site em 48 horas e, caso o pedido não seja atendido, o SRIJ fala com o Provedor de Serviço de Internet para eles cancelarem o domínio da página; depois, caso nenhum dos métodos resulte, é feita uma denúncia ao Ministério Público e, aí, a situação é investigada pelas entidades competentes, dentro da área judicial. A solução poderia passar “por um processo de educação: se os youtubers e os próprios jogadores tiverem a noção que ao estarem no jogo online ilegal estão a cometer um crime. Certamente, já terá acontecido a jogadores algumas entidades exploradoras ilegais encerrarem e todo o dinheiro que está depositado na conta dos jogadores foi ao ar. Se eles, por algum motivo, decidem fazer uma batota numa aposta ou resolverem não pagarem um prémio, não há ninguém que os salve”. Mas, se de um lado da moeda temos a ilegalidade, do outro, temos a legalidade.

Mas os parâmetros para uma casa se tornar legal, em Portugal, não ficam por aqui, como nos mostra Hugo Flores. “As casas de apostas, para estarem licenciadas, têm de operar através de uma conta específica numa instituição sediada em Portugal, através da qual irão operar todos os pagamentos, sob pena de serem sancionados”. As casas necessitam ainda de uma licença, válida por três anos, que, de acordo com o Serviço de Inspeção e Regulação de Jogos, está dependente: “da certificação e homologação do sistema técnico de jogo e ainda da prestação das cauções devidas; do pagamento de coimas devidas no âmbito do RJO (eventualmente em dívida); do pagamento da taxa devida pela emissão da licença”.

As casas têm também de cumprir com o Imposto Especial de Jogo Online (IEJO), que incide sobre as receitas resultantes do montante das apostas efetuadas. Em 2020, todos os trimestres apresentaram valores superiores, nos períodos homólogos dos anos anteriores, à exceção do segundo trimestre, que se pautou pela paragem das competições devido à Covid-19. No último trimestre de 2020, o IEJO teve o valor mais alto de sempre ao ascender aos 39,9 milhões de euros.

Entre outras, o Jogo Responsável, a partir da autoexclusão, é uma das principais vantagens das casas legais. Desde 2017 que os valores desta opção têm oscilado entre os 2 e os 2,9% por trimestre. Se estes números não têm sofrido grandes alterações, o tempo pelo qual se pede a autoexclusão tem sofrido uma mudança gradual. Se, no primeiro trimestre de 2017, a autoexclusão por tempo determinado era de 21,2%, no último trimestre de 2020, era de 11,7%. Por outro lado, o tempo indeterminado passou dos 78,8%, no primeiro trimestre de 2017, para 88,3%, no final de 2020.

O SRIJ desempenha um papel coadjuvante nesta opção, “exigindo às casas que tenham a possibilidade de autoexclusão dos jogadores e isto é um dos requisitos para a atribuição da licença. O jogador tem a possibilidade de se autoexcluir na entidade exploradora ou no SRIJ e, aí, fica excluído de todas as entidades exploradoras, sendo que o período mínimo de autoexclusão é de três meses”. Contudo, ao consultar o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, percebemos que poderá haver uma redução destes três meses: “sem prejuízo do período de duração mínima de três meses previsto no número anterior, pode o jogador comunicar o termo da autoexclusão, ou tendo o mesmo sido fixado, a sua antecipação, os quais se tornam eficazes decorrido o prazo de um mês sobre aquela comunicação”.

Porém, a realidade, para Luís Coelho, é só uma: “por mais liberal que se torne o mercado, vão acontecer sempre casas ilegais. O ilegal é uma realidade que acontece em todas as atividades económicas”.

Match-Fixing em campo

O ilegal, por vezes, passa da bancada e invade o relvado. Segundo Bruno Miguel, Inspetor-Chefe em Coordenação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, “a designação Match-Fixing reproduz um conjunto de ações típicas, que visam a combinação prévia e ilícita de resultados desportivos, alterando a verdade desportiva, com vista à obtenção, ou não, de uma vantagem patrimonial”. Existem várias pólvoras desencadeantes deste fenómeno, sendo que a precariedade laboral nos campeonatos inferiores, em Portugal, se assume como a ovelha negra. “Clubes em situação económica difícil e jogadores com salários em atraso ficam mais expostos a abordagens de pessoas que se aproveitam dessa fragilidade para concretizar os seus intentos criminosos. É fundamental, por isso, trabalhar na diminuição da precariedade laboral, especialmente nos escalões inferiores. Estas divisões são apetecíveis pelas fragilidades e pela menor exposição mediática, facilitam a ação das organizações criminosas que atuam maioritariamente a partir do estrangeiro e com recurso a casas de apostas ilegais / não licenciadas nos seus países de atuação”, como nos reforça João Oliveira, responsável pelo gabinete jurídico do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF). O Match-Fixing é um problema transversal a todas as idades, mas o SJPF centra a sua atenção especialmente em “duas faixas etárias: jogadores jovens pela ingenuidade e deslumbramento que, por vezes, têm e jogadores em final de carreira que podem ser tentados a envolver-se nestes esquemas como forma de conseguir recursos financeiros que não conseguiram amealhar”.

António Magalhães, Diretor da Divisão de Pessoas e Media da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), conta que “quaisquer denúncias que forem recebidas relativamente a indícios de Match-Fixing são remetidas para a PJ, como sucedeu no processo Jogo Duplo”. O processo do Jogo Duplo envolveu 27 arguidos e, para além de ter sido o maior caso de viciação de resultados no futebol profissional português, foi o mote para a alteração de algumas leis em vigor no país. Para Rafael Santos, a operação Jogo Duplo “teve um grande impacto, porque surgiu noutro tipo de ilícito e houve um aditamento, que foi a aposta anti-desportiva. Agora, essa lei penal é muito extensa e é aplicada, sobretudo, aos agentes desportivos, em que prevê ilícitos criminais como corrupção ativa, corrupção passiva, coação, tráfego de influências. Ou seja, ao nível legal, nós estamos fortemente preparados para combater o Match-Fixing”. A FPF, que “em conjunto com a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, elaborou e apresentou proposta de alteração à lei 50/2007, de 31 de agosto, que veio a ser aprovada através da Lei n.º 13/2017, de 2 de maio”, que nos diz que o agente desportivo que fizer uma aposta ou, em seu benefício, mandar fazer, será condenado com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 600 dias, considera que o combate ao Match-Fixing ainda tem vários passos a dar: “é prioritária a alteração do regime jurídico das sociedades desportivas, o combate ao mercado ilegal e a existência de mecanismos legais para proteção dos denunciantes”.

Os passos para fazer uma denúncia são poucos e estão à distância de qualquer um. Através, por exemplo, da plataforma de denúncia da FPF, podemos denunciar, de forma anónima ou, então, de forma identificada. “As denúncias, por factos relacionados com o fenómeno desportivo, tal como as denúncias por factos distintos, podem ser efetuadas junto de qualquer Órgão de Polícia Criminal ou dos Serviços do Ministério Público. Existe ainda a possibilidade de apresentar a denúncia sob anonimato, ou via telefone, para qualquer Departamento da Polícia Judiciária através dos Serviços de Piquete, ou por mail, através do site da PGR ou da PJ”, assegura Bruno Miguel. No processo adjacente à instauração do inquérito pelo Ministério Público, “responsáveis pela investigação irão desenvolver um conjunto de diligências iniciais, quer para verificar a sustentabilidade da notícia do crime, quer para preparar a prossecução da investigação, através das técnicas ao dispor da Polícia Judiciária”. Contudo, o Inspetor-Chefe afirma que “não são, de facto, muito expressivos os números no que respeita a novas investigações por esta factualidade”.

Mas o futuro parece trazer no bico uma carga de trabalhos para a PJ. “Esperamos um incremento de denúncias, especialmente oriundas dos nossos parceiros internacionais, com a edição do EURO 2020, que irá decorrer entre 11 de junho e 11 de julho de 2021”.