Trabalhadores-estudantes: A realidade de quem não tem tempo e conta as horas
Um trabalhador estudante tem duas profissões a que dedicam mais de 47 horas semanais. Completar um curso parece missão impossível para quem tem que gerir o seu tempo ao minuto.
As horas passam pelo telemóvel sem Luiza notar, apenas quando chega à altura do alarme tocar é que se lembra para onde tem que ir: “aulas”. Num movimento levanta-se e vai preparar o pequeno almoço. O cheiro a comida faz lembrar o dia anterior em que esteve a trabalhar até à meia-noite no McDonald's.
Ao olhar para a agenda, Luiza relembra que aquele é o dia mais preenchido da semana com aulas até às 17 horas, e logo a seguir terá que trabalhar a partir das 19 horas. Sai de casa e entre passos para a universidade - mora a cinco minutos - acede ao grupo de WhatsApp da comissão de festas, da qual é presidente, para resolver problemas que surgem. Partilha essa responsabilidade com oito colegas e tenta nas folgas do trabalho e no seu tempo livre tratar da associação.
Já na universidade encontra-se com amigos que diz ser a “sua rede”. Colegas de cursos que a ajudam com resumos quando tem que faltar e que estudam com ela nas salas de 24 horas da biblioteca. Para essas faltas solicitou o estatuto de trabalhador-estudante que lhe dá essa liberdade. "Acaba por dar jeito quando saio muito tarde no trabalho ou por acaso estou muito cansada ou tenho que fazer alguma reposição ou botar alguma matéria em dia- Eu acabo por falar [...] para organizar tudo", explica em entrevista ao grupo.
Trabalhar e estudar ao mesmo tempo é uma necessidade, para “atingir independência e para abrir portas para a vida adulta”. Não tem ajuda externa nem dos pais, nem de nenhuma bolsa.
Chegou a altura de sair das aulas e ir para o trabalho. Hoje tem duas horas para o fazer e, não tendo carro, vai à pé. Quando tem menos tempo pede um Uber.
Luiza é relações públicas no McDonalds. Tem a responsabilidade de tratar da decoração, do aspeto do restaurante e da organização de eventos com a equipa ou com os clientes em caso de feriados. Em todos os turnos tem um funcionário que ajuda na limpeza. Tem esta função desde inicio de 2023 e trabalha na empresa em part-time desde 2022.
As horas no canto inferior do ecrã dos pedidos indica a hora de saída, meia noite. Depois de confirmar com o seu superior, "pica", tira a farda e aproveita a boleia de um colega ou vai a pé para casa. "Conciliar o tempo do trabalho com a universidade com a universidade às vezes acaba por ser cansativo. No trabalho temos umas certas responsabilidades dentro e fora e na universidade temos as responsabilidades como testes e exames", explica.
"A universidade é algo que eu pago [...] mas não tenho nada dela"
Nem todas as pessoas têm sucesso ao conciliar estudos com trabalho, como é o caso de José Ricardo de Sousa, de 25 anos, ex-estudante do curso de Línguas e Literaturas Europeias na Universidade do Minho. Ricardo ingressou na universidade no ano letivo de 2018/2019 e, durante a maior parte do seu primeiro ano, conseguiu dividir bem o seu tempo entre trabalhar na fábrica de sua mãe e os estudos.
No entanto, tudo mudou a meio do segundo semestre do primeiro ano, quando a mãe de Ricardo sofreu um acidente que a deixou incapacitada. O jovem, para além de ter que cuidar da mãe, tornou-se também o responsável pela fábrica. Uma vez que naquela altura não tinha o estatuto de trabalhador-estudante, teve de arranjar tempo para continuar a às aulas de forma a ser aprovado nas cadeiras.
No ano letivo seguinte, Ricardo obteve o estatuto de trabalhador-estudante, mas mesmo com possibilidade de faltar às aulas, logo percebeu que não iria conseguir conciliar tudo: “Contactei os [Serviços Académicos] para cancelar a matrícula e eles disseram que naquela altura já não dava, que havia passado o prazo”.
Mesmo com nenhuma presença nas aulas nem qualquer exame feito, o ex-estudante esteve inscrito durante aquele ano todo e terá que pagar por ele, uma vez que a universidade já comunicou a divida às Finanças. “Eles [Serviços Académicos] não ligaram [para] a condição nem a situação, nem tentaram perceber a nuance”, Ricardo relata.
No ano letivo de 2020/2021, Ricardo cancelou a inscrição antes que pudesse ter qualquer problema. Em 2021/2022, com a sua mãe já recuperada do acidente e com um novo trabalho, decidiu regressar à universidade. O jovem enviou toda a documentação necessária para obtenção do estatuto de trabalhador-estudante logo após a realização da sua inscrição e, uma vez que trabalhava a tempo inteiro e não teria como ir às aulas, fez um planejamento para apenas ir à universidade na altura de fazer exames.
Ricardo contactou a professora de uma das suas unidades curriculares, uma que teria de através de um trabalho, para explicar a sua situação como trabalhador-estudante e alinhar o planejamento da cadeira com a mesma. “A professora a lidar comigo como se eu fosse trabalhador-estudante, não me disse nada”, conta o ex-estudante, que fez o trabalho acordado com a professora e teve um 16.
E foi então que veio a surpresa. Quando estava a estudar para os exames, o jovem teve de contactar uma outra professora para tirar dúvidas, e esta disse-lhe que já estava reprovado por faltas. Ricardo argumentou que era trabalhador-estudante, mas a professora disse que ele lhe constava como um aluno normal. Ao contactar os Serviços Académicos, foi informado de que nunca tinha tido o estatuto uma vez que ficou a faltar um documento, e naquela altura já não havia mais o que fazer porque havia passado o prazo. O jovem poderia voltar a solicitar o estatuto para o segundo semestre, mas já tinha reprovado todas as cadeiras do primeiro semestre.
“Não há personalização nenhuma [no tratamento], tu és um número. ‘A87712. O A87712 tem estatuto de trabalhador-estudante? Não tem. Faltou? Faltou. Reprovou por faltas.’ E passa para o próximo número. É só isso.”
“Não quero saber do segundo semestre, não quero saber do primeiro, não quero mais saber [desta universidade]. Frustração total”, relembra Ricardo. E foi então que optou por desistir da universidade.
Ao ser questionado se voltaria para a universidade no futuro, Ricardo reflete: “Há um trauma e é sempre difícil ultrapassares um trauma. Também há o trauma de eu não ter uma licenciatura e ver toda a gente a minha volta com uma licenciatura. [Mas] neste momento pra mim a [universidade] […] é algo que eu pago, é uma renda que eu pago, mas não tenho nada dela”. No entanto, não fecha portas. Considera que já não lhe faz mais sentido estar inscrito na universidade, mas voltaria se conseguisse arranjar tempo e encontrasse um curso que realmente gostasse.
Caso diferente é de Débora Dias, gestora de propriedades de 36 anos e estudante de primeiro ano de Tradução na Universidade de Lisboa, que trabalha full-time. O seu horário é o comum de um trabalho de escritório, o 9 to 5, 9 às 17 horas. Não lhe é possível frequentar as aulas, que são maioritariamente de manhã.
Solicitou o estatuto de trabalhador-estudante na universidade para poder faltar às aulas.
Os professores, conscientes das dificuldades da gestora em certos temas, disponibilizaram-se para fazer esclarecimentos online sobre a matéria dada e ainda a guiar pelo plano de estudos. "Houve um professor que percebeu que eu estava [...] fora porque eu já sai da escola há 20 anos e ele estava a falar de coisas que [...] era suposto ter aprendido no 12º [...] mas isso já foi há muitos anos então ele deu-nos matéria para estudarmos extra. [...] Isso tem sido muito bom" .
Tem ajuda dos colegas, que se revelou um apoio surpreendente. "Era uma das coisas que eu tinha medo. Não vejo diferença nenhuma na maneira como se tratam entre si e me tratam a mim. Em termos de colegas tem sido muito bom".
A experiência de trabalho levou a uma maior facilidade em aprender e o estudo aos fins-de-semana e quando arranja tempo à semana a boas notas. "Eu sinto que tenho uma maior facilidade em muitos temas, [...] eu vejo em cadeiras de cultura, de comunicação muitas das coisas que se aprende lá eu já sei e para mim são óbvias porque já estou a trabalhar há 20 anos".
Dentro da área de tradução fez trabalhos pontuais, mas estes não eram suficientes para satisfazer a sua curiosidade. Assim inscreveu-se no curso em 2022, através do concurso de maiores de 23 anos.
No trabalho, o contacto com outras línguas que aprende no curso contribui para um melhor desempenho e resultou numa promoção. As casas que gere são de estrangeiros que contratam a empresa onde a Débora para tratar das finanças e das posses e por essa raz ão tem um melhor poder de comunicação com os clientes.
Que direitos tem um trabalhador-estudante?
A gestão do tempo é essencial na vida daqueles que trabalham e estudam. Numa crónica publicada no P3 do jornal Público, Teresa Inácio, ex-trabalhadora-estudante, escreveu que os estudantes são “máquinas que perdem a capacidade de sonhar” e tornam-se “robôs automáticos que ainda usam agenda para apontar cada necessidade do dia, porque tudo é tanto, que o pouco nos falta”.
O estatuto de trabalhador-estudante foi criado para que houvesse uma melhor organização do tempo dos alunos que estudavam e para consolidar os direitos na universidade e no trabalho. Na universidade o código de trabalho regulamenta que o aluno pode fazer exames em época especial, faltar às aulas e ter aulas de compensação.
No trabalho tem ainda mais direitos. O horário pode ser ajustado em função das aulas, pode faltar ao trabalho em dia de realização de exames ou avaliações com o limite de quatro dias por disciplina em cada ano letivo, pode marcar as férias de acordo com as necessidades escolares e gozar até 15 dias de férias intercalados desde que não interfiram no funcionamento da empresa do trabalhador-estudante.
O estatuto pode ser obtido por trabalhadores por conta de outrem ou independentes. Na universidade, em caso de desemprego que não seja causado pelo estudante, ele não será perdido. A perda do regime apenas pode acontecer junto da entidade empregadora caso não haja de um ano para outro aproveitamento escolar, ou seja, se transitar de ano e não conseguir passar a metade das disciplinas nas quais está matriculado. Se houver insucesso por causa de um acidente de trabalho ou doença prolongada o estatuto permanece ativo.
O estatuto foi legislado pela primeira vez em 1997 pelo governo de Jorge Sampaio e incluído no código de trabalho de 2003 na oitava secção. O regime teve alterações em 2009, em 2012 e 2023. No final dos anos 2000 foi introduzido quem pode receber o estatuto, como se pode perde-lo, como funciona a promoção profissional, as férias e licenças, o contrato de trabalho, a não obrigatoriedade de fazer horas suplementares e as faltas. 13 anos depois foram feitas mudanças nas obrigações do descanso, o trabalho suplementar, as faltas e como era feita a conceção do estatuto.
A lei de trabalho de abril de 2023 mudou o contrato de estudantes e o processo de declaração dos trabalhadores-estudantes. A medida foi anunciada pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho que prevê que as declarações dos redimentos pode ser feita até "14 salários minimos por ano" sem que isso resulte de perda de qualquer bolsa ou apoio social.
Na lei de 1997 foi escrito no documento um artigo com o título "Cumprimento do presente estatuto" que determinava "no prazo de seis meses a contar da data de entrada em vigor da [...] lei [...] a criação de um organismo ou serviço ao qual, na área de educação. competirá o tratamento das questões especificas dos trabalhadores-estudantes". Nenhuma instituição nesses termos foi criada e até hoje não existe a nível nacional nenhuma associação ou sindicato de proteção dos trabalhadores-estudantes.
Associação Portuguesa de Trabalhadores-estudantes: o único projecto nacional de representação dos estudantes que trabalham
No site da AAUMinho a associação é apresentada como potenciadora da "vida académica através de uma universidade democrática, da cultura, do desporto [...] e do incentivo às relações humanas e comunitárias", mas por e-mail escreve que "não tem programas de ajuda direcionados para os trabalhadores-estudantes". O trabalho da AAUminho passa por garantir os direitos elencados no regulamento académico são cumpridos e que não haja lugar para qualquer injustiça ou ainda apoiar no esclarecimento de dúvidas que possam surgir sobre o estatuto.
Tal como na Universidade do Minho, não havia em 2003 no Instituto Superior de Gestão Bancária nenhuma associação exclusivamente para aos trabalhadores-estudantes. Para esse proposito surgiu a Associação Portuguesa de Trabalhadores-estudantes criada por Mário Rui Mota e outros colegas.
"Fomos confrontados com várias situações ao nível dos orgãos legislativos, quer ao nível de algumas empresas, quer ao nível do próprio conselho nacional de educação dizendo que a associação do Instituto Superior de Gestão Bancária não tinha como fim, nem podia ter como fim a representação especifica dos trabalhadores-estudantes"
A APTE teve assento no Conselho Nacional de Educação, um orgão consultivo para a politica de educação da Assembleia da Républica. Foi convidada a participar num trabalho sobre o processo de bolonha e da educação ao longo da vida pela comissão de Educação e Ciência, que segundo o site do parlamento "acompanha as políticas nas àreas sob responsabilidade do Ministro da Educação e da Ministra da Ciência".
Entre 2006 e 2007, o governo de José Socrates e a Assembleia da Républica promoveram o Debate Nacional de Educação, com mais de 150 debates por todo o país onde um dos temas foi a aprendizagem ao longo da vida. "Havia aqui um interesse [...] de dar outro dinamismo à questão do trabalhador-estudante porque não fazia sentido falar de educação ao longo da vida se depois o trabalhador-estudante não tem condições para continuar a estudar", relembrou Mário Rui Mota. O relatório final do Debate Nacional de Educação demonstra a ajuda do Conselho Nacional de Educação nessa iniciativa, no qual a APTE fazia parte.
A associação escreveu à Comissão Parlamentar de Trabalho Segurança Social e Admnistração pública em 2008 um documento que surge em contexto de uma proposta de alteração do estatuto de trabalhador-estudante. Mostrou a "estratégia nacional de desenvolvimento" que passava pelo aumento das qualificações dos portugueses. Demonstrou os problemas associados ao tempo dos estudantes no trabalho com a universidade e de terminar o curso. Foram apresentadas como soluções a dispensa da empresa ao trabalhador-estudante para realização de exames e de frequência às aulas, o incentivo de uso por parte das escolas de metodologias alternativas ao ensino como é o caso do ensino à distância, o aumento de oferta de cursos em regime pós-laboral, alargamento dos prazos de avaliações, exames gratuitos para trabalhadores-estudantes e dedução fiscal para os custos com a educação.
No ano seguinte ao envio das medidas, o código de trabalho foi atualizado em julho, mas Mário não acredita na influência direta do trabalho da APTE: "O que quer que tenha vindo a ser implementado na lei [...] não foi [...] pelas nossas propostas ou pelo reforço das nossas propostas porque o legislador já tinha isso preparado para fazer entrar".
A APTE esteve em atividade até 2011. "Com a minha saída, o funcionamento já estava muito debilitado e nós não conseguimos que ninguém pegasse na associação", conta-nos Mário Rui Mota. Com a falta de disponibilidade para continuar a atividade, a associação foi considera extinta, assim como o lugar de trabalhador-estudante no Conselho Nacional de Educação. Na lei orgânica do Conselho Nacional de Educação, que dita o funcionamento do orgão em relação ao ensino superior, só tem lugar para dois membros da associação de estudantes, um do politecnico e outro universitário.
De que forma os estudantes podem ser ajudados?
"A maioria dos estudantes querem um trabalho esporádico"
André Relvas, estudante do último ano de medicina na Universidade do Porto, deparou-se com diversas dificuldades ao tentar encontrar trabalhos que fossem flexíveis de forma a conciliar com os estudos. Ao partilhar a sua experiência com os seus colegas, percebeu que não foi o único a passar por isto. Numa tentativa de aproximar os estudantes do mercado de trabalho, o jovem e seus colegas decidiram criar a Unilinkr, plataforma que tem como missão “trazer independência e literacia financeira aos estudantes universitários”. Através da plataforma, esperam “fazer essa ponte e facilitar esse processo [entre estudantes e empregadores]”, relata André.
Através do site ou da aplicação, os estudantes podem inscrever-se na plataforma e indicar as suas preferências e disponibilidade de horário. Desta mesma forma, as empresas podem inscrever-se na plataforma e indicar o tipo de trabalho que estão a oferecer. A divulgação dos trabalhos disponíveis acontece através das redes sociais, nomeadamente Facebook e Instagram, email e também WhatsApp. O objetivo da Unilinkr é conectar estudantes e empresas que tenham necessidades semelhantes, passado este momento, tudo é tratado diretamente entre o estudante e o empregador.
A divulgação da plataforma foi feita muito através do boca a boca e das redes sociais. Neste momento contam com mais de 650 estudantes inscritos e estão mais presentes no Porto. Pretendem chegar a Lisboa e focar nestas duas regiões. Nesta altura, André admite que já há mais recetividade e adesão por parte das empresas, algo que foi difícil no início.
No lançamento da plataforma, em setembro de 2022, outras dificuldades surgiram. Muitos estudantes começaram a questionar como seria a questão da declaração de rendimentos. Face à esta recorrência, André e seus colegas decidiram investigar e se depararam com “alguns desincentivos à volta desta situação”. “[…] no lugar de contornar esses assuntos, ou de […] influenciar o “pagar por fora”, que é uma realidade muito grande em Portugal, decidimos criar uma petição para tentar expor esse problema”, explica Relvas.
A petição #jovens_independentes expõe as dificuldades burocráticas que estudantes enfrentam ao se tornarem trabalhadores, tais quais: estudantes englobados no seguro ADSE perdem direito ao mesmo a partir do momento em que são inscritos na Segurança Social, deixam de ser elegíveis para estágios do IEFP se estão inscritos no portal das finanças e se têm rendimentos nos 12 meses prévios e podem deixar de ser elegíveis para bolsas de estudos caso os rendimentos ultrapassem um certo valor.
Para além disto, estudantes que trabalhem em regime part-time perdem a oportunidade de usufruir de um primeiro ano mais significativo de isenção de contribuição da Segurança Social. A petição tem como objetivo chegar ao parlamento e mudar a legislação, e apesar de ter boa adesão, André Relvas admite que há um longo caminho pela frente.
No dia 1 de maio foi aprovada, pelo Conselho de Ministros, uma medida que garante a permanência de bolsas de estudo e apoios sociais a trabalhadores-estudantes cujos rendimentos anuais de trabalho não ultrapassem o valor de 14 salários mínimos nacionais. André considera que é uma boa medida e um bom passo à frente, “mas talvez possa não ser tão enquadrável à realidade dos estudantes”, uma vez que “a maioria dos estudantes querem um trabalho esporádico”.
André explica que os estudantes “querem flexibilidade no horário” e que “não há tanta abertura dos estudantes para estar a fazer um part-time, ter um contrato com uma empresa de 6 meses, sempre ali, no mesmo sítio”, e que as vagas de trabalho pontual divulgadas pela Unilinkr geralmente são preenchidas em uma hora, enquanto vagas part-time ficam pendentes por algum tempo.
Em relação a quantidade de trabalhadores-estudantes em Portugal, cerca de 10% segundo o Eurostat, André considera que “o número que existe agora não é real justamente pela não declaração dos rendimentos por parte dos jovens”, e que “em Portugal há desincentivos para o estudante trabalhar”.
As estatísticas nacionais do Ensino Superior através da plataforma Infocursos
O infocursos é um site de informação criado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) em 2014. O diretor do DGEEC, Nuno Rodrigues, declarou ao grupo em entrevista que o projecto é maioritariamente destinado a jovens que querem entrar na universidade e que acedam assim a informação sobre os cursos. Dentro dos cursos/instituições existem informações sobre a idade, a nacionalidade, a média, o modo de acesso ao ensino superior e o sexo dos alunos que entraram no ano anterior às informações introduzidas pelos gestores de informação da DGEEC.
Os dados em relação ao trabalho são reduzidos e sobre trabalhadores-estudantes não existem. "A nível censitário não há nenhum instrumento que permita aferir se os alunos ou diplomados estão ou não no mercado do trabalho. [...] Porque o que nos interessava aqui era ver a empregrabilidade dos cursos e não se o aluno durante a sua tragetória no ensino superior está a trabalhar ou não", explica o diretor do DGEEC.
Também não existe possibilidade neste momento de adquirir uma ideia sobre a empregabilidade de quem estuda. O que está no site é fornecido pelas universidades e politécnicos através do Registo de Alunos inscritos e diplomados do Ensino Superior (RAIDES) e as informações dadas têm limitações. "O RAIDES [...] é uma tentativa de minimizar o esforço de resposta [...] Nós perguntamos às instituições de ensino superior a informação que elas já têm nos seus próprios registos de gestão e dos alunos [...] sobre esses alunos. [...] Para medirmos se eles estão a trabalhar e qual a a qualidade desse trabalho de emprego a nível de estabilidade, de tipo de contrato ou renumeração obrigaria as entidades de uma forma regular inquirir os alunos sobre esses aspectos".
A nível europeu existe um inquérito que procura saber dados sobre trabalhadores-estudantes chamado Eurograduates. Criada por quatro instituições de quatro países (Alemanha, Holanda, Austria e Bélgica) pretende focar-se na "monitorização do caminho dos graduados". É perguntado aos inquiridos sobre "o financiamento do periodo de estudo" e o "estágio, experiência de trabalho e atividades voluntárias" antes de entrar nos estudos.
Relatório Eurostudent VII revela que trabalhadores-estudantes enfrentam dificuldades
O relatório Eurostudent VII (2018-2021) mostra que estudantes na Europa estão a lidar com a demanda de tempo dedicado a trabalho e estudos. A pesquisa revela que os estudantes europeus passam em média 47 horas semanais nesse compromissos mas essa carga horária de trabalho tende a mudar entre os países.
Estónia, Geórgia e Malta são os países onde os estudantes trabalhadores dedicam mais tempo em ambas as atividades, com cerca de 53 horas semanais. Alemanha, Áustria, Finlândia, França e Suíça apresentam menor tempo gastos com estudos e trabalho, com uma diferença de dez horas em comparação aos demais países.
Estudantes que não têm trabalho remunerado dedicam cerca de 38 hora semanais aos estudos, enquanto estudantes trabalhadores dedicam aproximadamente 62 horas semanais em ambas atividades. Dessas horas apenas 26 são dedicadas aos estudos, 12 a menos em comparação a estudantes que não possuem um trabalho.
Devido a falta de tempo para se dedicarem e se concentrarem nos estudos, muitos estudantes acabam por largar os estudos por não conseguirem se dedicar plenamente as duas atividades.
Em países como Croácia, Estónia, Finlândia, Irlanda, Islândia, Itália e Portugal, mais da metade dos estudantes que trabalham além de 20 horas semanais relatam dificuldades nos estudos devido ao trabalho. Já na Geórgia e Chéquia, apenas um quarto dos estudantes que trabalham mais de 20 horas semanais relatam esse problema. Estudantes que trabalham para pagar os estudos possuem uma probabilidade maior de relatar dificuldades em conciliar trabalho com estudos.
Existe uma quantidade considerável de estudantes que gostaria de poder mudar sua gestão de tempo atual (82%), com 39% deles querendo dedicar mais tempo aos estudos, enquanto 40% preferiria passar mais tempo a trabalhar, além de estudar.
A pesquisa revela que cerca de 80% dos estudantes dos países do Eurostudent combinam estudos com um ou mais empregos remunerados e 60% deles trabalham durante o período letivo, As maiores taxas de estudantes que trabalham são encontrados na Eslovénia, Islândia, Noruega, Países Baixos, Chéquia, Roménia e Turquia, onde 85% ou mais dos estudantes trabalham. Em contraste, o trabalho é menos comum na Geórgia (46%) e em Portugal (49%).
Os estudantes que possuem pais ou responsáveis que não frequentaram o ensino superior tendem a trabalhar durante todo ano, até no período letivo. Os que possuem pais ou responsáveis com educação superior podem vir a trabalhar apenas no período sem aulas. Essa diferença pode ser observada no caso da Hungria, Malta e Polónia.
As razões que levam estudantes a trabalhar são principalmente cobrir despesas de subsistência (68%), comprar itens que não teriam condições de adquirir (65%) e ganhar experiência no mercado de trabalho (57%). Metade dos estudantes que trabalham combinam estudos com um emprego remunerado pois não teriam condições de estudar de outra forma.
42% dos estudantes recebem apoio público nacional sob a forma de subsídios, empréstimos ou bolsas de estudo. O apoio público representa, em média, 42% do rendimento mensal total dos beneficiários.
Quando medido pela média internacional, verifica-se que 24% dos estudantes referem dificuldades financeiras graves ou muito graves. Na Geórgia, Islândia, Malta e Turquia, a percentagem de estudantes com problemas financeiros graves atinge cerca de 30% ou mais dos estudantes.
Nos países incluídos no Eurostudent, 57% dos estudantes pagam propinas as instituições de ensino superior. Essa porcentagem pode variar consideravelmente entre os países, com mais de 90% dos estudantes a pagar propinas na Islândia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Suíça, enquanto na Finlândia e Suécia a porcentagem não ultrapassa 1%.
Um fato interessante a se relatar é a diferença quando os dados do Eurostudent e Eurostat são comparados. o Eurostudent mostra que em Portugal 49% dos estudantes trabalham mas no Eurostat apenas 10% são considerados trabalhadores-estudantes. Essa diferença se da pela forma como as pesquisas são realizadas. O Eurostudent realiza pesquisas por questionário enquanto que o Eurostat usa dados oficiais do governo, então apenas os trabalhadores-estudantes que possuem o estatuto estão incluídos nessa porcentagem.