Cultura. O "parente pobre" à procura de atenção

Um ano de solidão

Ou a vida de quem perdeu a relação com o seu público

Brice Sousa

Brice Sousa

"Toda a gente de máscara e o olhar diz muito, mas, no meio das luzes, não consegui ver um único sorriso". Sorrisos como os que descreve Pedro Santos, músico e artista circense, são tudo o que a Cultura e os seus profissionais não viram no último ano.


Pedro é um dos rostos que retratam as dificuldades que a pandemia de Covid-19 veio colocar a um setor cultural, cujo ar já antes era mais rico em dióxido de carbono do que em oxigénio. Em março de 2020, o artista estava em Espanha a trabalhar com um circo itinerante. Tinham acabado de estrear um novo espetáculo, com novos investimentos. Investimentos dos quais ainda mal usufruíram, desde que foram obrigados a cancelar os espetáculos e a desmontar tudo. "Ainda não foi possível voltar a tirar tudo dos camiões e poder rentabilizar, ou poder sequer tirar proveito do espetáculo", adianta.

Durante os vários meses de pandemia, que já imaginava que não iam ser poucos, Pedro teve a sorte que outros não tiveram de ter a ajuda dos pais. "A realidade não é a mesma para toda a gente e tenho colegas meus bem próximos e amigos que realmente tiveram de fazer de tudo um pouco", explica.

Noutro ponto do mapa nortenho, César Cardoso, técnico, programador e explorador do espaço CRU, em Vila Nova de Famalicão, foi também afetado por esta realidade. "95% do meu rendimento ficou afetado", revela César, enquanto faz contas à quantidade de eventos e espetáculos nos quais trabalhava que também foram cancelados e ainda não puderam voltar a ser programados, de modo a poder rentabilizar.

Espetáculos cancelados é algo que nos leva também à Companhia de Teatro de Braga (CTB). "Dos cento e alguns espetáculos que tínhamos marcados para o ano anterior, acabámos por fazer 75 ou 80% e os restantes ou foram cancelados, ou adiados para o ano seguinte", conta-nos André Laires, um dos atores da CTB.

O adiamento, por vezes, é um caminho sem retorno. "Se estamos a falar de um espetáculo que não pode ocorrer naquele tempo, não dá para armazenar, digamos. É um espetáculo que, muitas vezes, não é feito", explica o artista.

Em termos de apoios, a voz é uníssona: não existem ou são muito poucos. "Não existe uma política cultural", adianta André. "O investimento do país na Cultura é realmente fraquíssimo", sublinha Pedro. "Há que profissionalizar esta atividade", alerta César.

Mais do que falar, é preciso registar o problema no papel. Foi isso que fez o autor José Jorge Letria. Em dezembro de 2020, o escritor português publicou o livro O Vírus, a Cultura e o Futuro, uma compilação de conversas com vários profissionais do setor cultural que assentam precisamente no lote de questões que há muito tempo precisam de resposta.

"Só a vontade individual e coletiva não chega"
José Jorge Letria

"A pandemia, para além do agravamento objetivo que temos nas nossas condições de vida, veio pôr em evidência e em destaque problemas estruturais que já existiam", começa por contar. Os problemas são vários, mas há um que o autor considera ser central: "a intermitência do trabalho, a ausência de contratos e, no fundo, a vulnerabilidade do estatuto do artista e do autor".

Estes problemas, que vieram à luz do dia com a pandemia de Covid-19, não vão desaparecer sem muito trabalho da parte de todos, explica José Jorge Letria. "Esta situação não se vai desagravar subitamente só porque há vontade dos legisladores. Tem de haver vontade dos criadores, dos artistas e, sobretudo, do público. Enquanto o público não voltar a encher salas, cineteatros, festivais, só a vontade individual e coletiva não chega", remata.

O que todos os artistas querem, de facto, é o regresso do público e da relação que com ele mantinham e que parece ter desaparecido no decorrer de todos estes meses. "No geral, para todos ou artistas, principalmente os de palco, é super importante a proximidade - ou era super importante a proximidade", revela Pedro.

O profissional da Cultura recorda com emoção os dias em que via a plateia cheia de pessoas à espera para ver o seu trabalho. "Já vivemos esta realidade há uns anos. É bom recordar e é pena que vai tardar até que isso possa voltar a acontecer", reflete.

Brice Sousa, ator e animador freelancer, é um desses artistas de palco que também sentiu a quebra de proximidade, tanto com o público, como com os seus colegas atores. "Antes da pandemia era uma agitação, era o convívio, eram os abraços, os beijos, os sorrisos, as emoções corpo a corpo, físico e tudo mais", explica o artista. Com a pandemia, admite que se "nota o desconforto, tanto em não querer aproximar-se e tocar na pessoa".

Perderam-se os mimos, o contacto físico e o calor humano. Para um ator cuja "maior parte da representação é comédia" e "levantar pessoas no ar", reina a incerteza. "Essas pequenas coisas já nem sei se podem existir, com o receio, não só entre nós, mas para com o público. Eu não sei quem é que vai estar no público", revela Brice.

"Uma programação pensada para o ano 2019 pode não fazer sentido no ano 2021 ou 2022"
Luís Fernandes

Incerteza, falta de contacto e de reações espontâneas como sorrisos. É disto que a maioria dos artistas de palco se queixam. E no caso dos espaços, quais foram as mudanças?

"A primeira coisa é a destruição completa daquilo que é o grande pensamento de uma linha programática". É este o ponto inicial que apresenta Rui Torrinha, programador d'A Oficina, em Guimarães. Esta interrupção de pensamento cria, segundo o profissional, "uma espécie de processo aleatório de tentativa de resolução em primeira mão das dificuldades do lado dos artistas".

Num outro espaço cultural, Luís Fernandes, diretor artístico do gnration, em Braga, também vivenciou "uma alteração constante de planos", que admite ainda persistir. "Gere-se com muita paciência e tendo sempre planos alternativos para o caso de alguma coisa falhar, mas a verdade é que não há soluções milagrosas", explica.

O grande problema nasce a partir do momento em que "uma programação pensada para o ano 2019 pode não fazer sentido no ano 2021 ou 2022", como sublinha Luís Fernandes. Esta situação, para além de ser "intelectualmente violenta", segundo Rui Torrinha, a dada altura, "na terceira ou quarta reprogramação da mesma peça, já não há espaço nem sentido".

Caem por terra as peças e, com isso, o trabalho dos profissionais da Cultura e os rendimentos essenciais que daí poderiam sair. O próximo passo é perceber qual é o papel base do Estado no meio de tudo isto.

Contas (des)feitas

Quanto é que o Estado dá à Cultura em Portugal?

gnration

gnration

É a pergunta que se impõe: quanto é que o Estado português investe efetivamente na Cultura? "A Cultura tem sido sempre um dos parentes pobres das políticas nacionais", responde o investigador de relações culturais no espaço lusófono, Manuel Gama.


O estatuto de "parente pobre" ganha ainda mais força, como explica o docente universitário, se olharmos àquilo que têm vindo a ser os Orçamentos de Estado para a Cultura nos últimos anos. "O financiamento da Cultura e os orçamentos da Cultura são uns orçamentos miseráveis, e ainda são mais miseráveis se nós retirarmos o dinheiro para a RTP", explica.

O ano de 2016 foi o primeiro que António Costa cumpriu na íntegra como Primeiro-Ministro português. A chegada do governante, aliada a fatores como a saída do país do resgate da Troika, trouxe alterações àquilo que era o investimento do Estado na Cultura.

As diferenças, para Manuel Gama, são claras: "Não tínhamos Ministério da Cultura, criámos Ministério da Cultura. Tínhamos pouco dinheiro, continuamos a ter pouco dinheiro. E continuamos a ter uma coisa que sempre tivemos e vamos continuar a ter, que é quase como uma errância: erros de casting completos na escolha dos protagonistas".

Neste sentido, o docente dá o exemplo da atual Ministra do setor, Graça Fonseca, que tinha experiência burocrática, mas não na área da Cultura. "Apesar de se manter há uma série de anos como Ministra, é muito contestada, porque não se percebe a política", afirma.

De facto, desde 2016, muito devido à saída de Portugal do resgate da Troika, bem como da introdução da pasta da Comunicação Social no Orçamento de Estado (OE) para a Cultura, o valor do mesmo tem vindo a aumentar. Em 2021, a despesa total consolidada proposta no OE para a Cultura é de 563,9 milhões de euros, um aumento de 7,73% em relação ao ano anterior. No entanto, se a este valor se retirar os 250,8 milhões de euros afetos à Comunicação Social Pública, a despesa direcionada para a Cultura fica nos 313,1 milhões de euros.

Para além disso, se olharmos ao objetivo do Orçamento destinado ao setor cultural alcançar 1% do Produto Interno Bruto (PIB), a média nos países da União Europeia, Portugal fica ainda muito aquém. Tendo em conta que o PIB de 2021 assenta nos 210.834 milhões de euros, os 563,9 milhões de euros propostos no OE para a Cultura ficam ainda a rondar os 0,27%.

O investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho explica o mesmo em relação ao Orçamento de Estado de 2016, em que a despesa total consolidada proposta para o setor era de 423,1 milhões de euros. "Apesar do Orçamento afeto à Cultura no primeiro OE do Governo de António Costa ser reduzido, ou seja, não atingir aquele mítico 1% [do PIB] dedicado à Cultura, sabemos que as taxas de execução são sempre mais reduzidas, o que faz com que a verba final seja ainda menor", observa.

Mais do que investimento, o que falta em Portugal, como referem Manuel Gama e vários profissionais do setor, é "um plano estratégico para a Cultura" a longo prazo. "Era preciso haver uma política de fundo. Era preciso haver mais dinheiro, era, mas mais dinheiro não resolve nada", adverte o investigador. "Enquanto isto não acontecer, de pensar até 2030, por exemplo, de forma séria, vamos continuar com estes problemas", sublinha ainda.

"O setor está completamente descontente"
Manuel Gama

Para além da (única) vantagem de "um acelerar da digitalização que ia demorar anos e anos", a pandemia trouxe sobretudo um "levantar do pano sobre todas as fragilidades, que todos sabíamos que existiam, mas que o poder político continuava a não criar condições para deixarem de existir", explica o docente. "Não é possível, por exemplo, que a Direção-Geral das Artes dê apoios financeiros a organizações e não as obrigue a que todos os seus trabalhadores tenham condições de trabalho dignas. E condições de trabalho dignas passam por obrigatoriamente não trabalharem a recibos verdes", remata.

"Não se percebe qual é a política em muitas áreas e o setor está completamente descontente". É este o retrato final que nos faz Manuel Gama de um setor que, mais do que apoios, desespera por políticas que possam criar finalmente uma base estrutural sólida.

Cultura no local

O caso do Festival Vodafone Paredes de Coura

© Hugo Lima

© Hugo Lima

"Eu sou do tempo em que tinha que explicar que Paredes de Coura ficava no distrito de Viana do Castelo, junto a Valença, perto de Caminha. Hoje em dia já são os outros concelhos que dizem que ficam perto de Paredes de Coura". A "grande vitória" de João Carvalho e do Festival Vodafone Paredes de Coura, do qual é um dos organizadores, é também o exemplo da dimensão da Cultura em Portugal e de como esta pode mudar a vida de uma região.


Puxámos atrás a fita na companhia de João Carvalho, que embarcou connosco numa viagem pelas memórias. A história começa em 1993, altura em que o concelho de Paredes de Coura não fazia ideia do que é que um pequeno concerto de fados iria gerar para a região.

"Vamos lá [ao concerto], um grupo de amigos, para passar o tempo e lembramo-nos: 'Porque não fazer alguma coisa para as pessoas que gostam de outro tipo de música?'". Nessa mesma noite, João Carvalho correu à Câmara e ficou acordado: o primeiro Festival de Música Moderna Portuguesa (agora Vodafone Paredes de Coura) seria realizado no fim de semana seguinte, com uma preparação em tempo recorde de nove dias.

Sem telemóveis, a primeira edição foi organizada por cerca de 20 pessoas a partir de um dos cafés da vila, o Xapas Bar, que "tinha aquela máquina chata de contar impulsos". As referências para contratação das bandas eram as que tinham da Blitz e do programa Popoff e havia sempre alguém a alertar: "Já gastaste sete impulsos, não sei se temos dinheiro para pagar o telefone". No entanto, com um acordo aqui e um ali, a magia foi acontecendo.

28 anos depois, um festival cuja primeira edição "custou 800 euros" e foi organizada com o objetivo de promover o concelho e juntar os amigos que estudavam fora, "nunca com objetivos comerciais", possui agora um orçamento de cerca de cinco milhões de euros. Para chegar a este patamar, João Carvalho e os restantes sócios travaram muitas batalhas e em cada uma delas foram ficando pessoas pelo caminho. "Consoante os problemas iam aparecendo, iam saindo, até que ficamos quatro sócios", conta.

A pandemia de Covid-19 chega agora como uma nova batalha. Nos tempos difíceis, o primeiro pensamento de João Carvalho é para com as pessoas. "[A preocupação é] Manter os postos de trabalho, que temos imensos, manter as empresas que trabalham connosco", diz, antes de adiantar que a Ritmos, organizadora do festival, teve uma quebra de 97% nas receitas ao longo do último ano.

Os milhares de euros que os festivaleiros deixam em Paredes de Coura são um agradável acréscimo à economia local. Por isso, no último ano, a existência de uma pandemia e a ausência do 'bebé' da terra trouxe também problemas para os comerciantes courenses.

"As coisas funcionam quando há uma continuidade de eventos"
Alberto Araújo

Carlos Teixeira, do Restaurante Miquelina, tinha um crescimento de atividade "entre os 20 e os 30%" durante a época do festival. Com uma pandemia a surgir e sem este 'empurrão', o desfecho é previsível: "A falta do festival criou, ao nível de tesouraria e ao nível de atividade, uma quebra importante".

Um pouco mais acima, Alberto Araújo gere a Residencial Albergaria e garante que, durante os quatro dias de festival, "a taxa de ocupação é de 100%". Sem ele, "anda sempre na ordem dos 75 ou 80% durante o mês de agosto". O proprietário do estabelecimento conta que nunca fechou portas durante a pandemia, "embora houvesse semanas em que o movimento foi nulo". Por isso, estima uma quebra de faturação que "ultrapassou os 75% desde fevereiro ou março de 2020 até agora".

Com esta perda de receita, Alberto destaca que, apesar de muito benéfico, o festival não é a 'galinha dos ovos de ouro' do comércio de Paredes de Coura. "As coisas funcionam quando há uma continuidade de eventos como havia. No ano passado, não foi o caso. Não houve festival, nem houve mais nada. Este ano, dá-me a entender que também se espera para saber se vai haver festival ou não e, não havendo festival, também não se faz mais nada. É quase uma birra", denuncia.

"Quando voltar Paredes de Coura, vai ser a melhor edição de sempre"
João Carvalho

Mesmo assim, os olhos dos comerciantes e da organização do Vodafone Paredes de Coura estão voltados para o regresso do evento. Para João Carvalho, "se não for este ano, é para o ano, garantidamente", que a magia do "Couraíso" volta ao município.

No meio das dúvidas, o membro da organização do festival tem uma certeza: "Quando voltar Paredes de Coura, não tenho dúvidas rigorosamente nenhumas de que vai ser a melhor edição de sempre". Porque independentemente do cartaz, o que realmente está na essência do regresso é o desejo "do abraço, do afeto, da cumplicidade, de estar com o amigo".

Cultura Capital

É missão da Comissão Europeia, desde 1985, dinamizar as cidades como centros de vida cultural, social e económica". Mas o que é que esta iniciativa traz de facto a um país em termos culturais?

Mais do que eventos, a criação de políticas e planos de ação focados na Cultura são extremamente importantes, não só para o desenvolvimento do setor, mas também da sociedade. Nesse sentido, a iniciativa da Capital Europeia da Cultura (ECoC), promovida pela Comissão Europeia, assume um papel fundamental.


Em 2027, Portugal vai voltar a ter uma cidade nomeada Capital Europeia da Cultura. Depois de Lisboa, em 1994, Porto, em 2001, e Guimarães, em 2012, são 11 as cidades que estão neste momento a concorrer para poderem receber o título: Braga, Viana do Castelo, Aveiro, Coimbra, Leiria (região), Oeiras, Faro, Évora, Guarda (região), Funchal e Ponta Delgada (região).

O trabalho de candidatura começa e o setor cultural agradece as políticas que começam a ser elaboradas. Mas como é que tudo isto é feito? Carolina Lapa, responsável pela coordenação de comunicação da equipa Braga'27, explica: "Há um dossier de candidatura que tem que ser feito até ao dia 23 de novembro de 2021 e que todas as cidades que até agora manifestaram interesse em candidatar-se devem submeter. Nele, há uma série de perguntas a que cada uma deve responder". Uma das principais? A continuidade.

Em anos anteriores, o conceito à volta do título de Capital Europeia da Cultura era muito diferente. "Era uma grande festa que acontecia de janeiro a dezembro daquele ano, numa espécie de festival em contínuo", conta Carolina. Hoje em dia, sem descurar a dose de festa, há uma nova missão: "A ideia é que todo o processo de intervenção cultural e de mudança urbana de regeneração possa desde logo começar a acontecer na preparação".

O mapa de Portugal tinge-se então de novas ideias e políticas culturais que vão ser benéficas para todo o território, "ganhe a cidade que ganhar". "É muito interessante ver esta movimentação de 11 cidades que estão a trabalhar, a olhar para si próprias, a perceber o que é que têm de interessante do ponto de vista cultural, o que é que precisam de melhorar, como é que a Cultura pode afetar também diferentes questões que têm a ver com a inclusão, a igualdade, a mobilidade, a sustentabilidade, o desenvolvimento e a regeneração urbana", refere Carolina Lapa.

Guimarães, a última cidade portuguesa a receber o título de ECoC, em 2012, é um dos exemplos de continuidade. "A Cultura foi sempre muito matricial em Guimarães", afirma a vereadora Adelina Pinto, que tem a pasta do setor no município, antes de acrescentar que a distinção "não foi por acaso, foi pelo investimento e porque houve um trabalho muito grande".

Prestes a completar o décimo aniversário do título, é um objetivo da cidade "olhar para trás e pensar o que é Guimarães dez anos depois da Capital Europeia da Cultura". Na ótica da vereadora, o evento foi um sucesso. "O que [a ECoC] tentou fazer, e acho que conseguiu, porque nós depois continuámos a ter este dinamismo, foi deixar o know-how e as competências dentro da própria cidade", ressalva.

O know-how e as competências existentes internamente são também um dos trunfos que Braga pretende utilizar na corrida ao título em 2027. "Temos de ter o envolvimento da comunidade artística, do setor cultural e criativo bracarense. Queremos que cidadãos comuns, artistas e agentes culturais possam estar incluídos nesse programa que vamos apresentar à Comissão Europeia", refere Carolina Lapa.

Para Lídia Dias, vereadora da Cultura do Município de Braga, mais do que ser reconhecida com o título, é importante para a cidade este envolvimento que permite "saber quem são os agentes artísticos, como estão, como trabalham, quais são os seus anseios, as suas dificuldades". Seja qual for o desfecho, a principal ambição é que o trabalho do município "promova este diálogo, estas interações e que ajude a robustecer e a fixar mais agentes artísticos".

"Só temos a ganhar com cidades com força e bem organizadas"
Lídia Dias

Esse trabalho que é desejado no município minhoto já vai sendo feito na preparação para a candidatura, com investimentos suportados pela Câmara Municipal e pelo Theatro Circo que começaram já em 2018. Ao longo destes três anos, até 2020, foram depositados no projeto um total de 512 mil euros.

No entanto, também as outras dez cidades concorrentes estão a fazer o mesmo esforço. E apesar de só uma poder vencer, no fim, todos saem a ganhar, de acordo com Carolina Lapa. "De repente passa a existir uma rede de pessoas que passam a conhecer-se, passam a perceber que estão interessadas em mudar o rosto da Cultura na cidade, em criar ações que permitam haver outras coisas para além do que existe", diz.

Mas e se ganhar? Nessa eventualidade, o trabalho já feito é mais fácil de ser implementado. "Aí sim [se Braga vencer], haverá muito mais investimento, desde logo da União Europeia, das entidades regionais, do próprio Estado português, do Município e de potenciais investidores privados. Por isso, é diferente a escala se a cidade for ou não Capital Europeia da Cultura, mas não quer dizer que não aconteça nada se não for", explica a coordenadora da comunicação da candidatura bracarense.

A iniciativa da União Europeia, que nasceu em 1985 com o objetivo de "dinamizar as cidades como centros de vida cultural, social e económica", apresenta-se como uma mais valia para o setor cultural e para o país no geral. Tudo isto porque, como conclui Lídia Dias, "só temos a ganhar com cidades com força e bem organizadas, ainda mais no plano cultural".

Estado: presente ou ausente?

A discussão mantém-se viva: o Estado deve ou não investir na Cultura?

Os anos vão passam, os governos mudam, mas a discussão é sempre a mesma: o Estado deve investir diretamente na Cultura ou o setor deve subsistir de forma autónoma? Para alguns, a resposta é clara e pouco há para discutir, para outros, dá que falar e ainda há muito que fazer.


Frente a frente nesta discussão estão as opiniões de Alexandra Vieira, candidata do Bloco de Esquerda (BE) à Câmara Municipal de Braga nas eleições autárquicas de 2021, e de Olga Baptista, do Núcleo Territorial de Braga da Iniciativa Liberal (IL). Se a primeira diz que "a atividade criativa precisa de ter apoios" para poder existir, a segunda afirma que, quando se identifica na Cultura uma "atividade económica", aí "o Estado não tem que intervir".

Tal como explica Olga Baptista, "o posicionamento da IL numa série de situações entende que o Estado deve intervir o mínimo possível na sociedade e na sua conduta". A ambição é de construir um "Estado mínimo, mas forte", onde os cidadãos "têm, por si só, capacidade de fazer o país crescer, prosperar e encontrar a felicidade".

A partir desta premissa, a farmacêutica declara conseguir ver a Cultura a partir de dois pilares: o património nacional e a atividades culturais e criativas. No último, a visão de uma "atividade económica" é tão clara como o posicionamento perante a mesma: "Quando olhamos para a Cultura e vemos um ambiente onde conseguimos identificar uma atividade económica, entendemos que aí o Estado não tem que intervir, ou seja, tem que a própria ser viável em si mesma, ser sustentável". Já no que toca à preservação do património, admite a necessidade de alguma colaboração.

Qual é, segundo Olga Baptista e a ideologia da Iniciativa Liberal, o papel do Estado? Fomentar a Cultura, sobretudo "através das escolas". "Uma literacia cultural iria permitir que as pessoas estivessem mais permissíveis a consumir Cultura e, desta forma, aumentaria a procura. Aumentando a procura, torna-se muito mais viável o negócio", explica.

"Não podemos patrocinar um sentido quando a pessoa vai noutro sentido"
Olga Baptista

Deste modo, refere a cara da IL de Braga, é possível que "o desenvolvimento cultural vá no sentido da maior procura, daquilo que os portugueses querem e não daquilo que o Estado quer". Esta capacitação e autonomia dos cidadãos é um ponto chave na visão do partido e a explicação que dá Olga Baptista é simples: "O que é que nos interessa, por exemplo, estarmos aqui a apoiar a música erudita ou uma ópera se vemos que o português quer é ver Quim Barreiros e a escolha dele está ali?".

Para a deputada do Bloco de Esquerda Alexandra Vieira, a estratégia deve ser bem diferente. "Toda a atividade cultural, desde sempre, precisou de ter apoios, sejam eles privados ou públicos, porque não é uma atividade que, por si só, permita às pessoas subsistir", adianta.

A candidata à Câmara Municipal de Braga defende a Cultura como "um dos pilares da democracia", a par "da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e da habitação". Nesse contexto, sublinha que os trabalhadores do setor cultural "têm de ter os mesmos direitos laborais que têm os outros trabalhadores que trabalham das nove às cinco nas mais diversas áreas".

"A Cultura é algo que nos ajuda, nomeadamente, a passar por momentos difíceis"
Alexandra Vieira

Com a pandemia, a situação dos profissionais agravou-se. Alexandra Vieira alerta para um fator que se tornou evidente: o setor tem muitos trabalhadores, todos eles com "famílias e despesas para pagar". "Quando os teatros e as salas de concertos, de exposições e os próprios museus encerraram, estas pessoas, de um momento para o outro, ficaram com rendimento zero. Porquê? Porque a maior parte do trabalho na Cultura é precário e com falsos recibos verdes", ressalva.

Mesmo assim, a deputada relembra como, apesar de confinados, os artistas utilizaram a internet para disponibilizar conteúdos culturais gratuitamente para ajudar as pessoas a ultrapassar essa fase complicada. A partir daí, defende: "A Cultura é algo que nos ajuda, nomeadamente, a passar por momentos difíceis como este que estamos a viver, o que prova como é relevante para uma sociedade e para um país", pelo que deve ser defendida e financiada.


Mas como a Cultura é para todos, importa que todas as opiniões sejam ouvidas, sejam elas dos próprios profissionais que nela trabalham ou dos portugueses. Sob o sol que batia em pleno coração da cidade dos Arcebispos, os bracarenses deixaram bem vincados os valores que defendem, apoiando o financiamento do setor por parte do Estado, na sua grande maioria.

Para o investigador Manuel Gama, "é obrigação do Estado investir na Cultura", defendendo até um financiamento igual ao dos setores da Educação, Saúde e Agricultura. "Tem que investir exatamente a mesma coisa, ponto final", assegura. Para além disso, o docente universitário revela ainda que, em Portugal, "deveria haver um Sistema Nacional de Cultura e um Plano Nacional de Cultura, tal como existe para a Saúde e para as outras áreas".

Por sua vez, Rui Torrinha, programador cultural d'A Oficina, adianta que "temos que perguntar a essas pessoas que defendem que não deve haver investimento na Cultura se pensam o mesmo sobre os transportes, a saúde e a educação". O profissional mostra-se surpreendido pelo facto desta discussão ainda se manter acesa, uma vez que destaca a atividade cultural como "a cola da sociedade" e "a positividade que trava a barbaridade que há em nós".

A discussão que se prolonga no tempo é o espelho de como a Cultura ainda se mantém viva na sociedade, com mais ou menos obstáculos a ultrapassar. No entanto, ainda é precisa muita força, como explica Rui Torrinha, na defesa deste que "não é um setor, é a vida em si".

Daniel Sousa

"Ingressei na Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho em 2018 com um objetivo: fundir aqueles que são os meus dois maiores gostos, o desporto e o jornalismo. Durante a licenciatura tive a felicidade de poder adquirir alguma experiência profissional nos ramos mais variados. Colaborei – e colaboro – com o ZeroZero na secção de Futsal, fiz trabalhos de narrador em competições de eSports (aquilo a que na gíria se chama um caster), juntei-me ao ComUM, o jornal online elaborado pelos alunos de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, e estou ainda inserido nos projetos da ProScout e do Raquetc".

Diana Carvalho

"Desde pequena sempre gostei de fazer de tudo um pouco e, por entre muitas experiências, aos 18 anos dei por mim a cair quase de paraquedas na Comunicação, no curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Ao longo deste caminho, ainda longe de terminar, dedico-me a procurar, a escrever, fotografar, filmar e editar. Com especial carinho pela Cultura e o Entretenimento, alargo os horizontes a outras áreas e trabalho facilmente os temas da Sociedade ou fotografo o mais frenético dos jogos".