Bairros Sociais: Muros Invisíveis
Santa Tecla, Andorinhas e Enguardas são bairros vizinhos. Não partilham fronteiras, mas partilham histórias. Nelas mora o estigma da Habitação Social. Um muro de duas faces. Proteção e exclusão.
"As pessoas querem sempre o melhor possível.
Neste momento o melhor possível é este."
João Abreu, Bairro das Andorinhas
Entre pilhas de roupa que cobrem o sofá, abre-se a porta das traseiras. Primeiro chega Cristina. Depois aparecem os pés e as rodas da cadeira de Samuel. Atrás vem o pai, João, a empurrar o filho, com cara de esforço. As cadelas dormem no canto da sala.
“Menos de 80 metros quadrados” para sete. Cinco pessoas e duas cadelas. João e Cristina Abreu esperaram 16 anos por uma habitação social. Encontraram-na no Bairro das Andorinhas.
“Ou comíamos ou pagávamos rendas”. Viviam numa casa há 13 anos e viram o preço triplicar durante o COVID-19. Os 300 euros passaram a 900. “Era incomportável, então o senhorio deu-nos uma ação de despejo”.
“Em Braga é impossível uma família arrendar um apartamento hoje em dia”. Os bairros sociais surgem como alternativas mais económicas. A família Abreu paga 50 euros mensais.
Marta Ferreira, Diretora do Departamento de Apoio Social da BragaHabit, explica que as rendas nos bairros sociais são calculadas com base no rendimento dos agregados. O valor mínimo atual é de 20 euros. “As pessoas acabam por pagar uma renda ajustada à condição socioeconómica da família”.
Os critérios para candidatura a habitação social são: residir há pelo menos três anos no concelho de Braga, ser maior de idade e ter um rendimento que permita pagar uma renda. Proveniente de trabalho, pensão ou Rendimento Social de Inserção (RSI).
Nos últimos anos os pedidos para habitação social aumentaram. “Quando cheguei à BragaHabit o número não excedia os 20 por ano. A lista de espera era praticamente inexistente”.
Os principais residentes eram famílias de etnia cigana. São uma comunidade endogâmica (casam entre si). Marta explica que o crescimento da família leva, muitas vezes, à “sobreocupação” das habitações. “Vamos tentando fazer mobilidade para casas de tipologia superior”.
A população não-cigana é muito envelhecida. “Pessoas que foram realojadas há muitos anos e acabaram por nunca sair do bairro”. Os filhos vão. Os pais ficam.
A diretora nota que hoje a realidade é outra.“Qualquer família do concelho de Braga que não consiga suportar uma renda a preço de mercado procura uma habitação social”.
Nuno Araújo, arquiteto da BragaHabit, afiança que “infelizmente, há cada vez mais famílias nesta situação”. O grande desafio é a privação de solo urbano disponível para construir novos bairros. A geografia e morfologia de Braga acentuam o problema.
A cidade é “marcada por um relevo acentuado e áreas protegidas” que dificultam a expansão urbanística. A demanda por habitações sociais é cada vez maior. Não há casas suficientes. Os novos projetos serão dispersos e com falhas no contacto com o “resto da cidade”.“Têm de se adequar à malha urbana existente”.
O arquiteto sugere a descentralização dos serviços essenciais para assegurar o acesso de “todas as pessoas que recorrem a este tipo de habitação”. O lugar onde vivem “não deve” condicionar a acessibilidade a escolas, centros de saúde e outros espaços.
A crise da habitação agravou-se desde a pandemia. Com o aumento dos preços de mercado, a habitação social surge como uma alternativa mais viável.
No Rés do chão do bloco 26 cheira a mofo. Um cheiro familiar para João, Cristina e os filhos. As roupas estão encaixotadas porque os armários não se podem usar.
Entre a cama e a parede estão desenhos feitos pela filha de 12 anos. Ao lado, um colchão ainda por abrir. Protege Sara da parede coberta de bolor.
Cristina queixa-se. “O apartamento tem paredes a cair e água que sai do chão. O Samuel está permanentemente doente”. Sentam-se nas cadeiras da mesa de jantar porque o sofá está ocupado com montes de roupa. À frente está a televisão, a tábua de passar a ferro e o charriot com mais roupas penduradas.
O espaço é “muitíssimo pequeno”.
Fernando Bessa, Investigador e Professor Auxiliar do Departamento de Sociologia da Universidade do Minho, defende “a construção de uma sociedade decente”. É necessário “uma habitação compatível com o agregado familiar, onde as pessoas não passam frio no inverno, nem calor no verão. Frisa a importância das “condições básicas para fazer uma vida quotidiana de forma confortável”.
“Por aquilo que nós pagamos e por aquilo que não podemos pagar noutros sítios é o que tem de ser”.
João Abreu, Bairro das Andorinhas
Onde há sombra, há sol
No último bloco do bairro, o cenário é diferente. A casa é moderna em tons neutros. O gato espreita assustado para a sala. Ouve-se a televisão e a máquina de café ao fundo.
Hugo Ferreira, 27 anos, nasceu nas Andorinhas. Beatriz Lima, 25 anos, cresceu em Lomar, uma terra no interior de Braga. Hoje têm casa própria no bairro. Fizeram negócio com um amigo, antigo proprietário do apartamento, em novembro. Estavam na fila de espera desde o verão de 2022 para arrendar uma casa à BragaHabit.
Para Hugo, a vida no bairro “é a melhor experiência do mundo”. Fala orgulhosamente do que viveu: “o bom e o mau”. Há conflitos entre vizinhos, mas a união e entreajuda falam mais alto.
“Se eu não estiver em casa a minha vizinha pode-me ir ao correio ou vice-versa.” Seja alguém que precisa de cebolas, um idoso que cai nas escadas ou um morador que se esquece do gás ligado. Beatriz sente que há sempre alguém pronto a ajudar. “As pessoas aqui são genuinamente boas, não fazem só para ficar bonito”.
Beatriz e Hugo gostam de morar no Bairro das Andorinhas
Beatriz e Hugo gostam de morar no Bairro das Andorinhas
O ninho das Andorinhas
Todos param no Café da Associação de Moradores do Bairro das Andorinhas. As paredes lá fora são discretas, pintadas de branco e cinzento. Por dentro, vibram os cenários da história do bairro. As paredes estão cobertas de fotografias e memórias que são tema de diálogo à mesa. Ouvem-se conversas paralelas, a televisão de fundo e comentários sobre o que vem nos jornais.
“Dá-me aí um copo com água”. Delfim Rodrigues, proprietário do café, pousa o fino no balcão. João Novais, entre goles, coloca a conversa em dia. Começam a falar sobre futebol e acabam em discussões sobre as obras do bairro.
José Henrique vem até ao café para ler o jornal. Senta-se na primeira mesa virado de costas para a entrada. Não recusa dois dedos de conversa. “Eu vim de Angola para aqui há muitos anos. Não sou daqui”.
No outro lado da sala fazem planos para convívios futuros entre vizinhos. “Vamos fazer uma churrascada aqui no bairro”. O vinho do porto é o combustível. Entre brincadeiras e conversas corriqueiras, o café torna-se o espaço de partilha dos moradores.
Os cães ladram e correm pela relva. Nos bancos do jardim estão duas senhoras. Eram vizinhas de bloco. Agora encontram-se todas as tardes para pôr a "fofoca" em dia. Falam do tempo, da família e das cusquices do bairro.
Mais atrás, há um graffiti nas traseiras de um edifício abandonado. Está escrito “Guardião do Guetto” ao lado do desenho de um antigo morador que lá morreu. Ouve-se uma máquina de barbear no outro lado da esquina. É alguém que faz a barba ao amigo. Junta-se uma senhora com uma criança ao colo e ficam a conversar.
O campo de futebol e o parque estão vazios. Silêncio. São duas da tarde e as crianças estão na escola. As únicas vozes que se ouvem são as das senhoras idosas que veem à porta pedinchar às responsáveis da BragaHabit.
Samuel é um dos poucos jovens em casa a esta hora. Na morada antiga da família Abreu “era o deficiente”. No Bairro das Andorinhas “é o Samuel”. João e Cristina sentem-se mais acolhidos e apoiados.
As casas são diferentes. Para lá das quatro paredes todos são iguais.
Campo vazio nas Andorinhas
Campo vazio nas Andorinhas
Ex-vizinhas à conversa
Ex-vizinhas à conversa
"Pensam que num bairro é tudo mau"
Beatriz Lima, Bairro das Andorinhas
Morador a aspirar o carro e ouvir música
Morador a aspirar o carro e ouvir música
Morador a aspirar o carro e ouvir música
Morador a aspirar o carro e ouvir música
Um dos blocos de Santa Tecla
Um dos blocos de Santa Tecla
Um dos blocos de Santa Tecla
Um dos blocos de Santa Tecla
Em Santa Tecla todas as casas são iguais. Nas varandas simétricas a roupa seca ao vento. As mães espreitam pela janela atentas às crianças do bairro. Ouvem-se vozes animadas e chutos de bola no campo exterior. Ao fundo, um rádio velho toca música enquanto alguém aspira o carro.
António Salazar chega à sede da Geração Tecla (GT) de guitarra na mão. Senta-se em cima da mesa e começa a tocar uns acordes de músicas ciganas. Sandro e Rubinho, como é conhecido no bairro, aproximam-se. Batem palmas. Também conhecem os cantares ciganos.
Dentro das paredes o preconceito não existe. Fora do bairro, o cenário é outro. “Somos conhecidos como Bairro dos Ciganos. Isso é racismo”.
Fernando Bessa, Sociólogo da Universidade do Minho, explica que “o preconceito está associado a elementos estigmatizantes”. A origem étnica e racial das populações é um dos estereótipos. “Aqui em Braga é evidente”.
As entrevistas de emprego culminam muitas vezes em rejeição. Rubinho conhece várias histórias com o mesmo fim. “A maioria das empresas quando ouve Bairro Social de Santa Tecla reage mal”.
Sandro Micael recorda uma experiência passada. “Disseram que tinha emprego garantido. Cheguei lá, viram que era cigano, disseram que tinham arranjado outra pessoa”. Rubinho acrescenta: “os ciganos ficam em casa sem fazer nada e estão cansados dessa vida”, mas o preconceito fala mais alto.
Para o sociólogo, o rótulo está muito associado às características económicas da população. A pobreza, a marginalização social e a dependência de apoios sociais são as principais. “O ser apoiado por si só é, muitas vezes, marca de estigmatização”.
Salazar para de dedilhar a guitarra e concorda. “O meu pai tem 39 anos e até hoje está desempregado. Sabem que é cigano e nunca têm vagas.” Os apoios sociais são a única opção de sobrevivência. O filho teme que os estereótipos persistam quando chegar a sua vez.
A caminho do nada
“Gostava de ser polícia. É um sonho de criança”. Para António Salazar, o sonho já nasce condenado. O jovem de 16 anos acredita que, em Braga, a discriminação não tem exceções. Não conhece nenhum polícia cigano. “O racismo não permite”.
A convivência entre a comunidade cigana e a polícia “é boa”. “Param, saem da carrinha e comunicam connosco, parece que gostam de nós”. Para António é um sinal de que “não são preconceituosos”.
André de Carvalho, Subintendente da Divisão Policial de Braga, sublinha que a relação entre os moradores e a PSP é “normal”. “Os desafios de segurança que enfrentamos nos bairros sociais são parecidos com os do resto da cidade”.
Fernando Bessa costuma deslocar-se de bicicleta. “Já passei muitas vezes [no Bairro de Santa Tecla]. Nunca fui assaltado, nem sequer me senti numa situação de perigo iminente”. Confessa que se constrói “todo um pânico social”.
O Relatório Anual de Segurança Interna não tem dados sobre zonas específicas do concelho. O subintendente assegura que não há nenhuma tendência muito marcada. "Temos este ano uma ligeira diminuição, quer na criminalidade geral, quer na criminalidade violenta e grave".
Os dados dos últimos anos oscilaram entre os 4.600 e os 5.100 crimes anuais. Atingiram o pico em 2023 e voltaram a descer em 2024.
O principal fenómeno é o tráfico de estupefacientes. André de Carvalho associa esta prática à exclusão social e pobreza. “Normalmente o consumo conduz a tudo isso”. Em alguns casos, o vício torna o consumidor em traficante.
O agente reforça a importância de um policiamento de proximidade com ações dedicadas às zonas de habitação social. O principal objetivo é desenvolver laços de confiança com a população e manter a ordem pública.
“Antes a polícia vinha verificar o bairro todos os dias. Agora está muito mais calmo”. Rubinho nota que o ambiente está mais “amigável”. As obras em Santa Tecla deram ao bairro uma “moldura diferente”.
O projeto Geração Tecla pertence à Cruz Vermelha, Delegação de Braga. João Sá, voluntário desta iniciativa, ouviu muitas histórias antes de começar a frequentar o bairro. Considera que foi “um bocado exagerado”. “Nunca tive nenhum conflito nem nenhum problema, seja com as crianças ou com outras pessoas”.
"O racismo não permite"
"Olhar para os quatro cantos da escola e dizer: aqui não há racismo"
Ouve-se na rua “Hoje as meninas não vêm?”. São as crianças das Enguardas.
Às segundas e quartas-feiras, alunos do projeto de voluntariado UM Futuro vão até ao bairro. Ajudam as crianças nos trabalhos da escola.
O chão da sala é preto. Na entrada, estão dois sofás castanhos e atrás várias mesas baixas cobertas de lápis coloridos, folhas e desenhos por acabar. Os brinquedos espalhados pelo tapete são sinónimo de lazer e animação. As correrias são imparáveis.
Catarina Pereira é mãe de Inês de dez anos e reside no bairro. A moradora explica que muitas crianças ainda faltam à escola, mas “depende de pai para pai”. Reconhece que hoje os filhos de etnia cigana são mais estimulados a estudar. “A mentalidade deles já está mais evoluída”.
Em Santa Tecla, a história repete-se.
“Algumas crianças sentem-se incentivadas a ir à escola, estudar e passar de ano”. Rubinho admite que há uma tendência para um maior envolvimento na aprendizagem. O objetivo é conseguir “emprego e futuro melhores”.
Rubinho é dinamizador comunitário na Geração Tecla. O projeto acompanha crianças e jovens do bairro. Incentiva-os a ir à escola, ajuda nas atividades escolares e “TPCs” e organiza atividades que promovem a união.
António Salazar é feliz na escola. Quando chega às aulas, recebe cumprimentos de professores e funcionários. Apertam a mão uns aos outros. “Falo por mim e por todos os ciganos aqui do bairro, gostam mesmo de nós”. O sonho de ser polícia parece impossível. Ainda assim, Salazar quer continuar a estudar depois do ensino obrigatório.
Nas Andorinhas também se sonha alto. Hugo sonha constituir família. “Posso não estar aqui, mas o meu filho tem de crescer num bairro e ver o que é um bairro”.
Bea, como é conhecida a namorada de Hugo, quer criar o filho livre de preconceitos. Educar uma criança dentro ou fora do bairro implica os mesmos desafios . “Pensam que é tudo mau, tudo drogado. Não têm família, nem bons caminhos a seguir”.
Hugo e Bea contam que há pessoas que visitam o bairro porque “querem filmar o que é mau, não ver o que é bom”. “Quando uma pessoa que vem de fora vai conhecer o bairro pela primeira vez, temos orgulho, queremos que o bairro seja conhecido”.
Para o casal, a palavra “bairro” não tem conotação negativa.
“Quanto mais atividades tiver o
bairro, mais as pessoas convivem”
António Araújo "Toninho", Bairro das Enguardas
“Põe a mão na cabecinha/ Agora na cinturinha”. Na sede das Enguardas ouve-se música pimba. Os idosos seguem os passos da professora entusiasmados. Uma das moradoras traz consigo uma cadeira, companheira nos momentos de cansaço. Não quer ficar de fora.
A aula termina. O barulho continua. Os vizinhos põem a conversa em dia antes de regressar a casa. António Araújo, Presidente da Associação de Moradores das Enguardas, despede-se de todos. Relembra as próximas atividades antes de sair.
“Costumo dizer que a coisa mais bonita que há é trabalhar para as pessoas”. Toninho, como é carinhosamente tratado, acredita que a cultura do bairro deve ser sentida. Organiza encontros para promover o espírito bairrista. “É um orgulho imenso quando oiço as idosas dizerem que ao vir para estas atividades encontram amizades e saem de casa”.
Dona Glorinha mora no Bairro das Enguardas “há muitos anos”. Reconhece que a solidão pesa, sobretudo aos 83. Os olhos brilham quando conta que partiu a anca. Serão muitos dias sem dança. As iniciativas do bairro criam laços que deixam “saudade”.
A semana é preenchida com Yoga, dança, ginástica, atividades recreativas para as crianças e aulas de TIC (Tecnologia, Informação e Comunicação) para os idosos. António Araújo considera as iniciativas importantes. Ajudam a esquecer “problemas laterais dos bairros como vandalismo, prostituição, xenofobia, venda de produtos contrafeitos e a toxicodependência”.
As Associações de Moradores são as principais incentivadoras destes projetos. Nas Enguardas e nas Andorinhas facilitam o acesso a serviços de saúde regulares, atividades recreativas e respondem às necessidades dos moradores.
Bairro é sinónimo de “celebração”. Nas Andorinhas, a Associação de Moradores promove festas como o São João e o Santo António. As ruas enchem-se de comida, bebida e música. A celebração da Páscoa já trouxe artistas como Canário e Zé Amaro. Hoje não se comemora mais.
O “Dia do Bairro” é o que tem mais significado. Aberto a todas as pessoas, convida a experienciar a essência de ser bairrista. Bea acha que estes dias são importantes porque convidam as pessoas a conhecer a realidade do bairro. “Não vi quase ninguém de fora. Acho que as pessoas genuinamente têm receio”.
"Tradição é Tradição"
Aplausos e assobios de animação antecipam a performance. Ouvem-se as missangas das saias pretas a balançar. A música é lenta e segue o compasso das mãos e ancas das dançarinas.
A atuação reflete várias semanas de ensaio. Dançam coordenadas e tímidas. Os moradores vibram animados.
Os rapazes entram a seguir. Colocam as fitas de boxe e demonstram as suas habilidades. Todas as quartas, quintas e sextas-feiras praticam com Jonay, o treinador. As mesas de comida são acessório. É dia de festa em Santa Tecla.
João Sá, voluntário, nota que decorrem várias atividades no bairro. Jogar futebol, pintar, desenhar, tocar instrumentos, cozinhar e recriar jogos tradicionais são alguns exemplos. Integram o programa Tecl@rt.
A iniciativa "As mães" procura empoderar as mulheres do bairro. Carla Couto enfatiza a importância do autocuidado. “Queremos que saiam da rotina: filhos e casa”. A ginástica e as dinâmicas em grupo proporcionam momentos de lazer.
Na cultura cigana, as mulheres “acabam por ser domésticas e vivem à base do que o marido quer e manda”. A tradição dita que o homem é o chefe de família. Primeiro o pai, depois o marido e, mais tarde, os filhos. “Queremos que elas não tenham vergonha de mostrar a sua autoridade”.
A feira é o ponto de encontro de todos os provedores de família. No bairro, o Projeto Nómada capacita os homens para o comércio. “Temos noção que o cigano é um bom vendedor, tem olho para o negócio”. O objetivo é levá-lo para lojas. “Muitas vezes perdem pelo facto de estarem em feiras porque não dão quase nada”.
João Sá observa que o bairro tem uma cultura “muito diferente” por ser maioritariamente composto por pessoas de etnia cigana. Traduz-se no estilo de vida e práticas que adotam.
“Tradição é tradição, é a nossa etnia”. Salazar conta que os costumes ciganos estão presentes em todos os momentos. A união é o mais importante dentro da comunidade. “Se um está doente, os outros estão lá para apoiar; se está triste, apoiamos; se está alegre, também apoiamos”.
“Por isso é que é bom morar no bairro. Mal saio de casa vejo um amigo à minha espera”. As diferenças culturais convergem: ser bairrista é ser unido.
Hoje & Amanhã
“As pessoas não têm que morar em casas feias, deformes e quadradas por viverem com dificuldades económicas”.
Os bairros sociais destacam-se pela semelhança. Construções simétricas. Fachadas pintadas da mesma cor. Blocos concentrados num só sítio. Todos sentem o “espírito de comunidade”.
“O bairro existe porque foi objeto de uma decisão política”. Fernando Bessa esclarece que a ordem pode vir do Governo ou de uma Autarquia Local. Critica estas zonas porque funcionam como “lugares de produção, expressão e reprodução de desigualdades sociais”.
Nuno Araújo, arquiteto da BragaHabit, pensa que a criação de bairros conduz frequentemente à formação de bolhas. “Pode ser um fenómeno negativo por levar a uma guetização”.
Gueto é a região de uma cidade onde vivem os membros de uma etnia ou grupo minoritário. Bessa acrescenta que a este fenómeno estão associados problemas como: exclusão social, marginalização, conflitos, pobreza e criminalidade. “Os decisores urbanos têm de pensar noutras soluções que minimizem a guetização a que as populações estão sujeitas”.
Nuno Araújo considera que descentralizar os bairros é prioridade. Defende a integração de espaços verdes e referências arquitetónicas locais nas habitações para "reforçar o sentido de pertença dos próprios moradores".
“As pessoas não têm que morar em casas feias, deformes e quadradas por viverem com dificuldades económicas”. Apesar de serem projetadas como soluções temporárias, o especialista afirma que as condições mínimas devem ser asseguradas.
Fernando Bessa propõe que se construam “casas decentes, onde qualquer pessoa, independentemente da sua condição social, não se importaria de viver". A BragaHabit tem vários projetos de reabilitação em curso. O 1º Direito e o Programa Estratégico de Desenvolvimento Urbano são alguns exemplos.
Araújo acredita que o envolvimento das pessoas na projeção de alojamento social é indispensável. Os benefícios são: maior aceitação dos projetos, maior adequação às necessidades reais dos moradores e promoção do sentimento de pertença.
“Quando só somos felizes pelo que temos e não pelo que somos estamos muito mal”
Cristina e João estão no bairro por condições económicas. Se a vida “mudasse” mudavam-se também. O antigo apartamento de 146 metros quadrados deixa saudades. Adaptam-se às circunstâncias. “Quando só somos felizes pelo que temos e não pelo que somos estamos muito mal”.
Os vizinhos Bea e Hugo projetam uma vida nas Andorinhas. Ela quer parar de usar o termo bairro pelo estigma. “Podia ser Loteamento das Andorinhas”. Ele “não mudava nada, nem o nome”.
“Mesmo se arranjar uma casa fora do bairro, quero estar sempre perto”. Sandro não exclui a possibilidade de morar fora de Santa Tecla, desde que consiga continuar a “ouvir as crianças a brincar na rua e as pandigas ciganas”. Rubinho e Salazar gostavam de continuar no bairro. “A comunidade é outra”.
Parque do Bairro das Andorinhas
Parque do Bairro das Andorinhas
Dona Glorinha, moradora do Bairro das Enguardas
Dona Glorinha, moradora do Bairro das Enguardas
Folha de presenças da dança sénior
Folha de presenças da dança sénior
Graffiti das Enguardas
Graffiti das Enguardas
Vista de um bloco das Enguardas pela janela da Associação
Vista de um bloco das Enguardas pela janela da Associação
Mural do clube de futebol S.C. Leões das Enguardas
Mural do clube de futebol S.C. Leões das Enguardas
Autoria
Filipa Correia
Sempre quis saber de tudo. O jornalismo foi o caminho certo. Cada história abre portas para explorar e conhecer. Mal posso esperar para ver o que o futuro me reserva.
Margarida Carvalho
Desde pequena, sou movida pela curiosidade. Quero saber mais, ouvir mais. Quero ser jornalista para dar voz às histórias que ainda não foram contadas.
Maria João Ascensão
Escolhi jornalismo sem saber o que esperar. Entretanto, ouvi histórias e descobri respostas para perguntas que não sabia ter. Ainda vou no começo.
Muito Obrigada:
Às nossas famílias e amigos, por aguentarem connosco nos últimos meses
Sónia Ferreira, amiga do coração
Vera, Carla, Márcia, Damarys, João e todos os voluntários da Geração Tecla
Bairro de Santa Tecla:
Sandro
Rubinho
Salazar
Todas as crianças e moradores que nos acolheram
Bairro das Andorinhas:
Hugo e Bea
João, Cristina, filhos e cadelas
Delfim Rodrigues, João Novais, José Henrique Mendes e Café das Andorinhas
Bairro das Enguardas:
Senhor Toninho
D. Glorinha
Voluntários da UM Futuro
Catarina Pereira e filha
Cláudia Lima, Cláudia Maciel e Nuno Araújo da BragaHabit
Luís António Santos
Maria João Cunha
Fernando Bessa
A todos os que de alguma forma tornaram isto possível.
A ti, que estás a ler isto!
E a nós.
