Quando o "para sempre" tem um fim.

Até que o divórcio nos separe

woman touch man's hand

"Só fui feliz 15 anos. O resto foi o caos e o tormento", admite Adelaide sobre o seu antigo casamento. Nesses anos, viu a sua liberdade reduzida - não podia ir visitar os pais, nem dar passeios. Aliás, para o fazer tinha de sair pela janela. A mulher baixa os olhos e conta que "só podia ir trabalhar".

Casada aos 18 anos, Adelaide adjetiva o marido como "meiguinho e calmo". A determinada altura, essa perspetiva mudou. "Descobri que ele estava com outra mulher há seis ou sete anos e separei-lhe a cama". Mas hoje, diz que ainda são amigos e ainda lhe faz muitas tarefas em casa.

Adelaide ainda vive e partilha coisas com o ex-marido

Adelaide ainda vive e partilha coisas com o ex-marido

Este conformismo, em que Adelaide ainda vive, está relacionado com a forma de se olhar para uma relação. Daniel Francisco, sociólogo na Universidade de Coimbra, reconhece a maior liberdade cultural dos homens para poderem ter diferentes mulheres fora do casamento. "Em algumas culturas, até o fazem com louros - como se fossem grandes homens", comenta. As mulheres, tal como Adelaide, apenas "aceitam".

O ambiente pesado e violento tornou-se insuportável. "Cheguei a meter-lhe um comprimido na sopa, a ver se ele dormia, para eu poder sair de casa", revela. Se Adelaide saísse ou se se arranjasse, o ex-marido batia-lhe. A mulher de 60 anos relembra que ele chegava a casa "com a cabeça cheia" e que "levava sem saber porquê".

Mas houve um momento de rutura. Não do casamento, esse continuou. Da violência. "No dia 28 de dezembro de 2019 apanhei uma vassoura e parti-lhe um braço. A partir daí nunca mais me tocou", conta com uma expressão orgulhosa.

No dia 27 de outubro de 2021, Zulmira Leonor Cunha divorcia-se do marido de quase três décadas. Em dezembro desse ano, se vivessem um casamento feliz, festejariam as bodas de pérola. "Mas cheguei ao meu limite", garante.

O processo, com a ajuda da Segurança Social, "foi rápido". Não perdeu tempo, mudou logo de casa. Vive hoje no centro da confusão do Porto e prefere assim, "viver [nessas] condições". O edifício é antigo, com divisões pequenas, mas tem a liberdade que desejava na sua vida de casada. "Era muito criada", cuidava da casa, do marido, da filha e, eventualmente, da neta. E ainda trabalhava. Sentia-se "usada" e "caía tudo" em cima dela.

Zulmira na casa onde hoje vive sozinha, no centro do Porto

Zulmira na casa onde hoje vive sozinha, no centro do Porto

Leonor levantava-se à hora que ele exigia, "tinha de ir buscar o pão onde ele queria, fazer tudo o que ele queria". Quando tinha tempo, ia ao café com a vizinha. Se chegava minutos mais tarde do que o costume, "já havia barulho".

Com "barulho", Leonor quer dizer violência psicológica e, também, física. "Dia 8 de maio [de 2021], foi a última vez que ele me bateu", recorda a mulher, de olhos postos no colo, escondendo o rosto. Foi na varanda da casa que um dia pareceu o seu final feliz. "Nunca mais dormi com ele".

O homem com quem casou era já viúvo, com dois filhos. Era segurança de uma discoteca que Leonor frequentava com as amigas. Todas elas estavam a namorar, "a casar" e ela "ficava sozinha". Não gostava de si mesma, mas gostou "daquele [homem] e ele gostou de mim". Acomodou-se e hoje arrepende-se: "não aconselho a ninguém".

Quem olha para Elsa, de 47 anos, não imagina todo o "processo de cura" que tem vivido. Habituada a Lisboa, está separada há dois anos e meio de uma união de facto que durou sete.

Elsa e Miguel foram "abençoados com uma menina" que, depois, ficou em guarda conjunta. Além disso, o ex-companheiro tem uma grande família que visitavam regularmente. No divórcio foi "das coisas que custou mais": passar de estar rodeada de gente a estar só com a filha mais velha.

Sente que a relação a estruturou e fizeram "um projeto de vida bonito". Foi com Miguel que viveu o "partilhar uma casa, os desafios de ter uma filha", finalmente a dois. "A relação foi intensa, mas também separada", conta. Ele era piloto e "marcar coisas, era complicado". Muitas coisas não foram sequer feitas, o que lhe parecia uma repetição do passado. Elsa deu-se a pensar: "já fui mãe solteira com a minha primeira filha". Neste segundo casamento, queria companhia.

"Eu passei de olhar para o Miguel quase como o homem da minha vida", compara Elsa, "para lhe responder mal". Todas as mágoas se acumularam e "quando o outro é fogo, não podemos ser fogo também". Começaram as discussões e a relação desgastou-se. Elsa aponta a culpa à falta de tempo juntos e de comunicação.

Em outubro de 2019, não deu mais. Optaram por manter a relação até ao fim do ano. Ele estava certo da decisão, ela "ainda não tinha acordado" e tinha esperança na relação. Depois do primeiro confinamento, fechou-se o divórcio.

A relação de Elsa terminou pela falta de tempo a dois

A relação de Elsa terminou pela falta de tempo a dois

A culpa não é do vírus

A taxa de divórcios aumentou de 61,4% em 2019 para 91,5% em 2020. Terá sido a pandemia a causadora deste grande número de divórcios? Não de todos, pelo menos. As nossas testemunhas demonstram que a Covid-19 não foi justificação para o fim do seu casamento.

Adelaide divorciou-se em fevereiro de 2022 e explica que a pandemia em nada teve implicada na sua separação. Aliás, "durante os confinamentos, quase nem o via", relembra. A mulher explica que o que aconteceu foi um pedido de divórcio porque ele "disse que queria ser livre" e Adelaide concordou.

Divorciada ,também na pandemia, Leonor diz que esta "deu cabo da cabeça das pessoas". Só que não foi o confinamento a terminar o casamento. Desde cedo, o álcool revelou-se um problema. Zulmira fez-lhe um ultimato: "ou o vinho ou eu". E ele escolheu sempre a bebida - embora nem devesse, na probabilidade de um AVC. "Só não me divorciei antes porque ele matava-me". Agora, o homem está doente e aceitou a decisão.

Zulmira sente-se bem com a sua decisão de divórcio

Zulmira sente-se bem com a sua decisão de divórcio

Mas afinal o que pode justificar este súbito aumento da taxa de divórcios?

Quando as taxas de divórcios foram divulgadas, foi criado um grande alarmismo. Nunca se tinha registado um valor tão alto. O maior até à altura foi em 2011 com uma taxa de 74,2%. Será assim um panorama tão preocupante? Em 2017 houve 21, 577 divórcios e em 2020 apenas 17 295. O elevado número está então, principalmente, relacionado com a diminuição de casamentos. Segundo dados da Pordata, em 2020 apenas se realizaram 18,457, sendo que em 2019 tinham sido 32, 595.

Ou seja, a ideia de que a pandemia veio provocar a separação de muitos casais está parcialmente errada. O sociólogo da Universidade de Coimbra explica que os confinamentos "sobrecarregaram a família de tensões". Ao fechar-se locais de natureza profissional, associativa e cultural, tudo convergiu para o espaço da casa. "E, a determinada altura, esse espaço está saturado de subjetividade, da personalidade de cada pessoa", refere.

Quando se está no mesmo espaço o dia inteiro, com as mesmas pessoas, "deixamos de as conseguir aturar, não querendo dizer que não gostemos delas". Daniel Francisco afirma que a tensão atinge um "grau de insuportabilidade tão grande" resultando num divórcio.

Mas não se pode apontar o dedo à pandemia por tudo de mal que acontece. Este súbito aumento está relacionado também com o facto de não se ter conseguido realizar casamentos. Além disso, como explica a advogada Cristina Dias, "temos vindo a assistir nos últimos anos a uma simplificação do processo de divórcio" que ajuda a justificar este valor alto da taxa de divórcios.

A pandemia também encurtou distâncias

Elsa recorda o primeiro confinamento com carinho. No final de 2019, o seu ex-companheiro comprou uma casa. "Era para se mudar em fevereiro [de 2020], mas veio a pandemia", relembra a mulher.

Descreve o que aconteceu como "irónico": "de março até maio passamos tempos maravilhosos." Miguel ficou, finalmente, em terra. Com todos em casa, conseguiram "ter rituais de família" - tal como Elsa imaginava.

Puxaram pela criatividade para passar os dias. "Fizemos o Dia do Pai, o Dia da Mãe , o Dia do Teatro, de tudo o que havia". É com um pouco de saudade que Elsa recorda "as miúdas felizes" por estarem em família, mesmo sabendo do fim marcado.

Na pandemia, não pensou no divórcio e acabou por, ao invés de prisão, ser uma libertação para este caso. "Descobrimos que queríamos ser uma família, mas tínhamo-nos desgastado", reflete Elsa.

"Eu acreditava que o casamento era um voto para sempre"

Há 50 ou 60 anos, a ideia de família e de casamento não é igual à de agora. A definição de família tem vindo a alterar-se porque "a sociedade está a perder muitas das suas características tradicionais”, afirma o sociólogo. As pessoas mais velhas têm opiniões muito concretas em relação a este assunto.

Adelaide diz ser "do tempo antigo" e admitiu ainda não estar bem com a decisão do divórcio. "Nós casamos na Igreja. Eu tinha metido na cabeça que ia acabar a minha vida assim", afirma. A mulher, que ainda vive na mesma casa, admite que, por ela, continuaria com o seu ex-marido. "Eu acreditava que o casamento era um voto para sempre".

Uma almofada feita por Adelaide com uma fotografia da neta Beatriz

Uma almofada feita por Adelaide com uma fotografia da neta Beatriz

Beatriz pintou um desenho que retrata a "mãe" e a "vóvó"

Beatriz pintou um desenho que retrata a "mãe" e a "vóvó"

Retratos da família de Adelaide antes do divórcio

Retratos da família de Adelaide antes do divórcio

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Uma almofada feita por Adelaide com uma fotografia da neta Beatriz

Uma almofada feita por Adelaide com uma fotografia da neta Beatriz

Beatriz pintou um desenho que retrata a "mãe" e a "vóvó"

Beatriz pintou um desenho que retrata a "mãe" e a "vóvó"

Retratos da família de Adelaide antes do divórcio

Retratos da família de Adelaide antes do divórcio

O papel dos filhos

Um filho não se divide como um bem material. Para muitos casais, as crianças são a razão para um atraso da decisão, um medo e uma preocupação no processo.

O que pensam os pais, o que vêem os filhos?

Casa de Adelaide

Casa de Adelaide

Elsa Louro, psicóloga especializada no neurodesenvolvimento infantil, fala dos filhos como um "fator que pesa" na tomada de decisão de divórcio. O ideal é que haja sempre "clareza e honestidade" no "diálogo entre as duas partes".

Pelo olhar dos filhos

Mariana tinha 14 anos quando os pais se divorciaram. Aos 16, a reflexão que faz é de que "assim foi melhor". Hoje vive com a sua mãe, num ambiente "mais pacífico" e sem discussões. Nunca se sentiu numa família feliz e, os momentos bons, descreve como "uma felicidade ilusória".

"A minha mãe estava sempre a perguntar com quem queria ficar", conta. A sua opinião foi ouvida e sente que o divórcio não a mudou. A psicóloga infantil alerta para o cuidado nestas questões porque "é importante incluir a criança e perceber que há decisões que ela não tem de tomar, mas sim os adultos. Mariana "já estava habituada" ao mau ambiente entre os pais. Logo no pós divórcio, eles deixaram de se falar.

Sozinha percebeu que "preferia que eles estivessem separados para não ter de arcar com discussões". Depois disso, "ficou melhor". Tem um irmão mais velho que optou por ficar a viver com o pai. Só agora, dois anos depois, é que a sua relação com ele, Daniel, "melhorou". Aos seus olhos, a culpa é do progenitor: "a personalidade dele fazia-me confusão".

Sentiu-se apoiada "só pela mãe". Cortou toda a relação com o pai: "evito falar com ele". Mariana lamenta quando lhe falam nele porque "isso afeta um bocado". Sempre se tentou afastar, "não gostava de estar num ambiente sozinha com ele". Com o divórcio, conseguiu.

Fora da sua família, teve apoio psicológico, "no ano passado, bastante tempo depois do divórcio". Apesar da separação dos seus pais não ter sido a razão central, aconselha "ter uma pessoa adulta" fora da família para desabafar. Elsa Louro recomenda-o também, quando os pais notam "alguma alteração de comportamento" ou quando estão a ter dificuldade em comunicar com os filhos.

A jovem olha para o casamento como "um termo mais formal para namorar". Vê o divórcio de forma igual, simples. No seu caso, "foi um alívio", e aponta que, para quem tem uma boa relação familiar, o processo "pode ser mais perturbante".

Para Leonor, de 15 anos, filha de Catarina, a história é diferente. Os seus pais divorciados são amigos. "Tinha acabado de fazer 12 anos" quando o casamento terminou. "Na minha cabeça era impossível os meus pais se separarem", conta. "Não tinha muitos amigos que tivessem passado pela situação" e pensava que "era uma daquelas coisas que só acontece aos outros".

No início, Leonor admite que foi "muito triste", mas enquanto viviam juntos fizeram sempre atividades em família. Perto do divórcio, a adolescente reparou no surgimento de mais discussões.

"Obviamente, eu não queria que eles se separassem". No entanto, com o tempo, ela e a irmã perceberam "que eles precisavam disso". À volta da mesa, tudo foi feito em diálogo entre os quatro. Os pais asseguraram que "embora as coisas fossem mudar" ainda eram "família e estava tudo bem." Este é "um dos principais passos recomendados", segundo Elsa Louro: "que os adultos reúnam, comuniquem primeiro entre si e depois contem apenas uma versão dos factos".

A adolescente e a sua família estão, hoje, felizes e a superar. "Há sempre coisas mais chatas", aponta Leonor, como o mudar entre a casa da mãe e do pai todas as semanas. Apesar disso, Leonor garante que "são coisas pequenas a que se habitua".

Ter uma irmã com quem partilhar tudo, facilitou o processo. Porém, também os pais "deram sempre apoio", mesmo quando tudo lhe pareceu "o fim do mundo". Não procurou ajuda psicológica, porque a família e amigos foram suficientes. Ainda assim, pensa que para casos em que os pais se zangam ou "há uma traição, uma situação pior", quando se sente que é preciso, essa ajuda é uma ótima opção.

Mesmo que preferisse a família junta, percebeu que o ambiente nunca seria bom. "Para conseguirem manter uma boa ligação", foi importante terminarem logo que o sentiram necessário. "O divórcio é visto como negativo, mas neste caso não foi", é o que pensa Leonor. A psicóloga Elsa concorda e diz que na maioria dos casos, o divórcio é "uma mudança que exige uma nova adaptação".

Como filha, a adolescente percebe que, para muitos pais, há medo do impacto do divórcio nos filhos. No entanto, para Leonor é claro que "o apoio dos pais" fez com que, "no fundo", nada tivesse mudado.

Quando os casais têm filhos, na sua opinião, é normal que "a decisão seja sempre mais difícil". Mas no fim, dependendo da situação, "os filhos conseguem ultrapassar e viver com isso".

Ao olhar dos pais

Para Adelaide, a filha pesou na decisão. Era mais uma razão para continuar casada, apesar de tudo. Aquando do divórcio, ela "foi contra o pai" na decisão de terminar o casamento "40 anos depois". Como filha, via a mãe a sofrer e servir o pai e achou injusto. Hoje, "é intermediária" dos pais que não se falam.

Os casos de Zulmira e António são semelhantes. Os dois perderam a relação que tinham com as filhas. Considerando-as na decisão, ou não, o divórcio custou-lhes essa dor.

Zulmira ainda fala com a sua, que também é mãe. A neta é o que as mantém juntas, embora "ela só se lembre da mãe quando precisa". Quando se divorciou, não considerou a filha de 28 anos porque "ela tinha a vida dela, já era casada" e "tinha de aceitar". A sua filha pensou diferente. "Diz-me que está bem em eu ter-me divorciado, mas não era agora que o pai está doente".

A mulher de 56 anos aponta este como o seu "maior desgosto" e ainda se tenta "dar bem com ela". Mas "se ela puder, está sempre a dar-me com o nariz para trás". Na casa nova, não teve quem "ajudasse em nada". Deu a volta por cima, mesmo com a solidão a apertar. "É muito triste viver sozinha e não ter o apoio da minha filha."

António, quando viu a carta de divórcio, viu-se num impasse: "se haveria de continuar o casamento por causa deles [filhos] ou divorciar-se também por eles". Até hoje, "essa dúvida mantém-se". Acabou por se separar da mulher e da filha.

A relação com ela "piorou drasticamente". Esse é o único ponto negativo que aponta, "um buraco negro" que o "assola". Na altura, falou com a criança sobre o seu futuro. Disse-lhe "que podia ficar com os dois e que não teria de optar por ninguém", pensando na guarda partilhada. No entanto, a ex-mulher preferiu a filha consigo e passaram a ver-se menos vezes.

A pandemia, a seu ver, tem a culpa. Elsa Louro também notou "mais pedidos de ajuda dos pais" nesse período para gestão familiar. António vendeu a casa para ir "para mais junto" da filha, mas depois do confinamento ela nunca mais lhe falou. "Esteve muito tempo sem estar ou falar comigo", lamenta. "Perdi a ligação que tinha com ela".

Mariana escolheu viver com a mãe

Mariana escolheu viver com a mãe

O divórcio dos pais de Mariana não terminou bem

O divórcio dos pais de Mariana não terminou bem

Os pais de Leonor continuam amigos depois do divórcio

Os pais de Leonor continuam amigos depois do divórcio

Imagem DR. Antes e depois do divórcio, a família mantém as atividades em conjunto.

Imagem DR. Antes e depois do divórcio, a família mantém as atividades em conjunto.

Os pais de Leonor escolheram regime de guarda partilhada

Os pais de Leonor escolheram regime de guarda partilhada

Zulmira guarda, ao pé da cama, uma foto da neta

Zulmira guarda, ao pé da cama, uma foto da neta

António guarda uma foto da filha, ainda pequena, na sua nova casa

António guarda uma foto da filha, ainda pequena, na sua nova casa

انا بموت فيك (ana bamot feek)

As taxas dos divórcios variam de país para país. Mas mesmo a milhares de quilómetros de distância, estes números não se justificam inteiramente pelas diferentes culturas e tradições.

Imagem DR. Mindaugas a celebrar o seu casamento

Imagem DR. Mindaugas a celebrar o seu casamento

Imagem DR. Malek com um uniforme típico do Egito

Imagem DR. Malek com um uniforme típico do Egito

Imagem DR. Mindaugas de mãos dadas com o seu futuro

Imagem DR. Mindaugas de mãos dadas com o seu futuro

Imagem DR. Malek no casamento do seu amigo

Imagem DR. Malek no casamento do seu amigo

Imagem DR. Várias imagens de momentos inéditos do casamento de Mindaugas

Imagem DR. Várias imagens de momentos inéditos do casamento de Mindaugas

انا بموت فيك (ana bamot feek) é a palavra em árabe para "amo-te". É uma expressão pouco usada no Egito porque tem um valor simbólico “enorme” numa relação a dois. Nem se costuma dizer, por "ser tão forte". Mas uma outra palavra importante é طلاق (talak) - que significa divórcio. Malek revela que, na religião muçulmana, este aparece na própria palavra e que, depois de estar feito, "não se pode voltar atrás". Quando tal acontece, “o homem deve devolver tudo o que pertence à mulher”, menciona.

O egípcio explica ainda que no seu país, a principal razão para haver casamentos é a religião: "a tradição diz-nos que precisamos de casar". Mas os motivos não se ficam por aí. A pressão social tem também um papel muito importante. "Aos 26 ou 27 anos, a família em casa começa a dizer para procurar uma mulher e que temos que estar preparados", desvenda. As pessoas sentem que esse passo deve ser dado. Além disto, a tradição do processo é ainda um fator muito relevante no casamento. “Aqui, se eu quiser casar, tenho que falar com o pai, sozinho, e perguntar se posso casar com a filha dele”, conta Malek.

Na Lituânia, embora não com a mesma intensidade, isto também acontece. Neste país ainda existem inúmeros casamentos tradicionais realizados devido à religião. "Se alguém tiver entre 25 e 30 anos, começa a sentir alguma pressão pública e familiar", diz Mindaugas. Isto acontece porque a visão do casamento permanece quase como um algo inevitável a partir de uma certa idade. 

Além disso, a perspetiva sobre como os homens e as mulheres se devem comportar em relação ao casamento e divórcio varia bastante. Daniel Francisco, sociólogo, explica que em África isso acontece "consoante as diferentes comunidades e etnias".

Malek fala sobre isso mesmo. No Egito existem muçulmanos e cristãos. "Os cristãos, uma vez casados, não se divorciam. No Islamismo, o divórcio é aceite. "As pessoas podem fazê-lo, é normal", afirma. Aliás, o sociólogo confirma isso mesmo: "a ideia de que o casamento é para a vida parece ter que ver com o cristianismo, num certo sentido de proteger as mulheres".

Embora o país árabe tenha registado um número de divórcios alto, muitos deles não se concretizam por causa dos filhos. "As pessoas escolhem ficar apenas separados na cama por causa das crianças", esclarece Malek. Uma outra razão é o facto de as pessoas não gostarem de ser chamadas de "divorciadas". Preferem, então, continuar com o seu cônjuge.

Na Lituânia, a religião principal é o cristianismo. Espera-se então que as ideias sejam parecidas. No entanto, o cenário tem vindo a mudar. "O divórcio era visto como uma coisa má", expõe Mindaugas. Agora, é um processo normal e socialmente aceite. De facto, a taxa de divórcio neste país é das mais altas da Europa - 3,1 divórcios acontecem por mil pessoas, segundo dados da Eurostat.

Em Portugal, os pensamentos parecem coincidir. A ideia de divórcio "foi surgindo com muita dificuldade no nosso país", refere Daniel Francisco. "Acabar um casamento era qualquer coisa, para os nossos bisavós e avós, impensável", conta. Nos dias de hoje, "há ainda a ideia de que uma pessoa só está plenamente na sua maturidade quando já está dentro de um casamento", expõe o sociólogo.

Mas foram surgindo mudanças. As sociedades e as profissões foram-se" feminizando" e o mercado de trabalho foi querendo cada vez mais as mulheres na vida ativa. Assim, foi lhes dada mais liberdade, permitindo-as sair da "submissão daquilo que era um casamento", diz. Ao fazê-lo, tiveram que permitir conceitos jurídicos, como o divórcio.

E que formas tem hoje um casal para anular o seu casamento?

Cristina Dias, professora na Universidade do Minho, explica que há a possibilidade do casal fazer uma separação de bens ou de se divorciar. A primeira opção não dissolve o casamento- os cônjuges continuam casados. Segundo o artigo 1795A do Código Civil, nesta situação apenas se extinguem direitos de coabitação e assistência. Esta solução só "funciona para aqueles casais que, do ponto de vista moral e religioso, tenham algum problema de consciência em optar pelo divórcio", argumenta. Este último "tem os mesmos efeitos que a morte", compara. O divórcio divide-se então em duas resoluções- por mútuo consentimento e o sem consentimento.

Divorciar-se por mútuo consentimento significa que ambos o querem e que chegaram a acordo para tal. Pode ser na Conservatória do Registo Civil, se estiverem de acordo em todas as vertentes. Também pode ocorrer no Tribunal se não chegarem a acordo em uma ou mais das matérias necessárias. O divórcio sem consentimento acontece sempre no Tribunal e "é considerado litigioso por ser sempre um cônjuge contra o outro", explica a advogada. No entanto, tem de ter um fundamento/ causa para o pedir, tal como está previsto no artigo 1781 no Código Civil.

A advogada explica suscintamente o processo de divórcio

O FIM

Não há relações iguais. Não há divórcios iguais. Quando se termina um casamento, também há finais felizes?

Uma relação entre duas pessoas pode terminar de diferentes formas. Nem toda a gente é igual e isso reflete-se em todos os momentos, incluindo a própria decisão do divórcio.

Catarina tem 52 anos e divorciou-se há quatro de alguém com quem esteve durante 30. A decisão não foi fácil, nem foi tomada de cabeça quente. "A relação foi-se desgastando e as pessoas foram-se tornando diferentes e com outros interesses", relembra. Para António Coelho, a situação foi idêntica: o divórcio que se concretizou há dois anos não foi repentino. "Não houve um ponto de rutura. Foi um desgaste de algum tempo até chegar a um limite percebido por ambos", esclarece.

A diferença nestes casos aparece no momento da decisão. Catarina e seu ex-marido concordaram que já não faria sentido continuarem juntos. "Cada um seguiu o seu caminho", diz. Pelo contrário, António queria continuar com o seu casamento (imagem de fundo). "Eu sabia que estava numa fase difícil e triste, mas decidi que ia manter". No entanto, a sua ex-mulher fez o pedido do divórcio.

Esta decisão não foi, então, novidade para António. A hipótese já tinha sido posta em cima da mesa. Porém, o homem de 52 anos só tomou conhecimento desta escolha ao receber uma carta do advogado. "Estava prestes a ver uma alteração muito grande na minha vida", revela

Pelo contrário, "surpresa" é como Vera descreve a sua reação quando recebeu o seu pedido de divórcio. Ausente devido ao trabalho, o seu ex-marido costumava enviar cartas de amor tanto para ela, como para a filha (imagem de fundo). Mas o choque surge quando vem uma carta, só que com o pedido do divórcio. "Já não tenho interesse", lê-se. Esse surgiu "noutra pessoa", explicou o ex-marido na mesma carta. Três anos se passaram e Vera nunca mais falou com o pai da sua filha.

A mulher de 42 anos, que não quis mostrar a face, ficou na casa porque o seu ex-marido decidiu abdicar de tudo - até da guarda na filha. Vera ainda tentou com que o seu ex-marido passasse mais tempo com a filha. Apesar disso, o ex-cônjuge "decidiu fugir às responsabilidades e isso gerou alguns conflitos", admite.

Mesmo sabendo que a separação "partia de uma traição", Vera tentou falar com o seu ex-marido na esperança de evitar o divórcio. "Não foram propriamente cinco anos, foram quase 20", explica com tristeza no seu tom de voz. Mas as dúvidas poderiam permanecer para sempre: "não sei se resultaria", confessa.

Umas das preocupações depois da decisão foi o momento de contar aos pais. "Eu sabia que eles iam sofrer comigo", diz António. Foi um pensamento constante. "Eu não sabia como lhes explicar", confessa Catarina. Em contraste, não houve preocupação com o olhar da sociedade. “Tenho tantas amigas divorciadas que não me senti estranha”, conta a mulher de 52 anos.

Catarina, com duas filhas (a mais nova na imagem de fundo), garante que a sua vida "melhorou" e que lhe permitiu ganhar "espaço, liberdade e independência". Nada de negativo veio junto com esta decisão. Aliás, “veio ajudar também a possibilidade de construir a minha vida”, admite. Já António admite que este processo "muda muita coisa", incluindo os amigos. "Dissemos que as pessoas não precisavam de estar comigo ou com ela. No entanto, isso nem sempre é possível, principalmente com amigos em comum", lamenta.

António já não fala com a sua filha ou ex-mulher. E até hoje não sabe se o divórcio "foi bom o mau" para a sua família. Mas nem tudo foi negativo: "a pressão psicológica que era exercida pelo medo de não fazer tudo bem" já não existe e a sua nova vida foi mais fácil de construir "do que estava à espera".

Catarina já conseguiu manter uma relação saudável com o seu ex-cônjuge. "Nós somos amigos e temos uma boa relação. Continuamos a conversar e damo-nos bem", conta. Isso permite uma "relação saudável" entre os quatro. A mulher já tem outro companheiro e, sempre que há aniversários ou outras ocasiões, juntam-se todos. "Conseguir manter isso é muito importante" para o bem-estar das filhas, finaliza.

Imagem DR
Imagem DR

"Somos capazes de muito mais do que aquilo que pensamos. No fim, vale o resultado conosco mesmos"

Catarina Costa

E DEPOIS DO ADEUS?

O divórcio traz sempre uma vida nova. Volta-se a viver sem companhia: há solidão ou liberdade? Cada pessoa procura as suas formas de "renascer".

Como se vive depois do adeus?

Imagem DR. Helga Pedro

Imagem DR. Helga Pedro

Adelaide admite ainda gostar do seu ex-marido. "Ele sempre foi o meu homem". Nos dias de hoje, ainda lhe "custa" a decisão dele. Agora, "tenho de trabalhar para mim", conclui.

Para já, no doméstico, pouco mudou: "limpo-lhe a casa, incluindo o quarto onde ele dorme". Só não lhe cozinha as refeições e, "finalmente" dividem as contas. Passa muito tempo na casa da filha (imagem de fundo), também divorciada, para auxiliar com a educação da neta. O seu objetivo é arranjar casa para deixar de viver com o ex-marido.

O divórcio deixou-lhe marcas tão pesadas como o casamento. Esteve internada com uma depressão e a poucos passos de desistir. Com um fundo de tristeza diz: "nunca o vou esquecer". Têm uma filha que os ligará para sempre. É nela e na sua neta que vai buscar força para continuar. "A minha vida agora é para a frente, que é o caminho."

"Quero conhecer esta mulher que morreu e nasceu tantas vezes"

Elsa fala de liberdade e, por coincidência, no dia 25 de abril. Para ela, o divórcio "foi porque tinha de ser" e permitiu-lhe seguir muitos sonhos profissionais e pessoais.

Agora, "vai ser difícil voltar a encontrar" alguém, mas está aberta a possibilidades. "Acima de tudo, estou num relacionamento comigo mesma" e "quero conhecer esta mulher que morreu e nasceu tantas vezes", garante.

A roupa que veste conta a sua história e foi pensada ao pormenor. A primeira camisola, vermelha, "é pela coragem" do dia simbólico. A segunda, tem um desenho de uma borboleta. É assim que se vê. "A borboleta, inicialmente, é uma lagarta que entra cheia de medos", explica a sua analogia. "Mas temos de ter coragem" para podermos "fazer o nosso caminho", afirma confiante.

"Foi o processo mais bonito e desafiante da minha vida", relembra alegremente. Como nunca antes, vive "um dia de cada vez." Para a mulher de 47 anos, o divórcio foi "uma revolução" na sua vida.

"Quer mais felicidade do que ser livre?"

Leonor encontrou uma "pessoa especial" que lhe deu "muita força". Foi quem lhe encontrou a casa onde mora agora (imagem de fundo) e com quem passa o seu tempo livre, em todos os sentidos da palavra. Ela mesma pergunta se haverá "mais felicidade do que ser livre."

"O que vem para a frente eu não sei", começa por dizer, "mas divorciar-me foi uma boa decisão". Mais feliz, confessa sentir pena da condição do ex-marido, porém decidiu que era a sua hora. "Comigo mesma, estou muito bem", confessa.

Casa de Adelaide

O poder da partilha

Da necessidade de se partilhar histórias, principalmente depois de uma separação, surgem vários grupos de apoio. Um deles fica perto do Campo Pequeno, em Lisboa. Quase escondido, entre os prédios, está o espaço de Helga Pedro. Lá nasceu o seu projeto "Oh Nesta Mente Só". Aqui que conhecemos as histórias de Elsa e Vera.

Em 2014, a própria psicóloga passou pelo fim do seu casamento. Sentiu que "precisava de ouvir histórias de pessoas que tivessem a passar pelo mesmo". Procurou livros, mas eram escassos. Tinha, então, como objetivo "criar um grupo onde as pessoas se possam encontrar" para partilhar experiências de divórcio.

Ao fazer uma formação, em 2021, a sua oportunidade chegou. O projeto final era formar um círculo de partilha sobre um tema. E assim foi. O nome do círculo "tem muitas leituras", explica Helga.

Tudo começou e é, ainda hoje, um círculo de mulheres. "Desde o início, dois homens já mostraram interesse em participar." Helga diz senti-los "mais pragmáticos, mais centrados na resolução do problema". As mulheres procuram mais os porquês: "porque aconteceu, porque não dei atenção aos sinais." A criadora do projeto compara como, na nossa cultura, "as mulheres falam mais sobre emoções, os homens mais sobre as suas atividades". Para eles, este tipo de partilha é, muitas vezes, "vista como fraqueza".

O seu "círculo superou todas as expectativas". As primeiras 4 sessões, planeadas por Helga, tinham temas como "Quem sou eu sem ti?". Esclarece que é descobrir "a identidade fica nossa quando o outro se vai e leva um conjunto de coisas que fazíamos juntos". Para exemplificar, "se o outro era muito criativo na maneira como passávamos os fins de semana, como é que eu posso ser criativa e arranjar ideias para os meus fins de semana?". O domingo, dia de família, é agora um dia que custa a estas mulheres, por já não terem a sua família junta. Um dos objetivos do grupo é, agora, ter encontros nesse dia.

As sessões funcionaram online até abril deste ano, quando se deu o primeiro encontro presencial. São realizados à segunda-feira, de 15 em 15 dias, das 21h30 às 23 horas. A partir de uma proposta de uma das mulheres ou de a visualização de algum texto ou vídeo, "cada uma fala à vez", sem que ninguém interrompa. "Uma das premissas fundamentais é a aceitação incondicional de podermos acolher tudo sem críticas", destaca Helga.

Para ela, a beleza do seu trabalho é ver "como que pessoas que não se conhecem, se acolhem, se validam, se incentivam e se abraçam". Para si mesma, este grupo é importante porque permitiu-lhe "dar àquela Helga [da altura do seu divórcio] o que ela precisava na altura". A Helga de hoje revê-se nestas mulheres e dá-lhes alento para um futuro melhor. "Há uma vida maravilhosa à nossa espera, de liberdade, a seguir a uma separação", assegura. No "Oh Nesta Mente Só", consegue dar às "suas" mulheres "firmeza" porque há "ao fundo, ao uma luzinha muito bonita à espera delas".

Helga fala do divórcio como "um renascimento total". Reforça a necessidade de, após esse processo, as pessoas se permitirem fazer e "viver sozinhas". "Há tanta coisa boa à nossa espera" que acredita que este fim leva a um renascer "do nosso autoconhecimento, da relação com os outros e da descoberta do outro". A psicóloga vê tudo como "uma fase, porque não vamos estar divorciados para sempre".

Ao longo da construção deste projeto criamos um Facebook que pode ser visitado através deste botão.

Imagem DR. Helga Pedro é psicóloga e já passou por um processo de divórcio em 2014.

Imagem DR. Helga Pedro é psicóloga e já passou por um processo de divórcio em 2014.

Imagem DR. O grupo, maioritariamente de mulheres, começou online.

Imagem DR. O grupo, maioritariamente de mulheres, começou online.