Adoção

Um ADN que se une na alma e no coração

A adoção é uma realidade pouco abordada em Portugal. Muitos dizem que os processos são demorados, mas poucos conhecem as suas razões. Ainda que invisíveis aos olhos de alguns, elas existem. E são contadas na primeira pessoa.

São várias as formas de ser pais e a adoção é uma delas. Segundo os dados do Relatório Anual de Atividades do Conselho Nacional de Adoção (CNA) existem oito vezes mais candidatos na lista de adoção do que crianças em situação de adotabilidade. A matemática desta realidade não se ajusta, mas pode ser explicada.

Amândio e Rosa, Jorge, Arminda e Maria (nome fictício) falam-nos daquilo que não se calcula em números: o amor. A perspetiva dos pais adotivos e os desafios que enfrentam são muitas vezes deixados de lado. Apesar disso, as histórias de um ADN que se une na alma e no coração são dignas de ser lembradas.

Na procura por realizarem um projeto de vida que surgiu no namoro, anos mais tarde, Rosa e Amândio adotaram Nuno. O casal, já pai de três filhos, viu a família aumentar quando, em 2007, recebeu um telefonema da Segurança Social para conhecer aquele que viria a ser o seu filho. Deu-se o início de uma adoção recíproca, onde um “projeto que começou a dois, formalizou-se a seis”.

“Os nossos filhos, apesar de ainda muito pequenos, sabiam deste desejo e foram eles a levantar a questão: "então porque é que não adotamos um irmão?"”. A Margarida, o André e a Mariana foram o incentivo necessário para que, há 20 anos, os pais dessem início ao processo.

Amândio e Rosa, pais de Nuno

Amândio e Rosa, pais de Nuno

Animação de como decorre o processo de adoção em Portugal

Nessa altura, preenche-se uma ficha detalhada com idade, sexo, doenças, identidade racial, comportamentos com os quais os pais imaginam ser, ou não, capazes de lidar. Rosa e Amândio idealizavam ter um bebé e a escolha explica os cinco anos de espera por uma criança.

Em 2020, foram adotadas 180 crianças, sendo que cerca de metade tinha entre zero e três anos, seguindo-se as do grupo etário de quatro - seis anos.

Os dados não escondem a preferência manifestada pelos candidatos quanto à sua pretensão em termos de idade – até aos três anos foram adotadas 91 crianças.

Em relação à antiguidade das candidaturas, das 147 famílias que integraram crianças durante esse ano, 64% estavam inscritas há seis ou mais anos, o que sustenta a tendência do longo tempo de espera para um número significativo de candidatos.

Amândio e Rosa, pais de Nuno

Mas há histórias que enfrentam outros desafios. É numa das margens do rio Tejo, em Almada, que vive Jorge Cabral. Sempre quis ser pai e há onze anos cumpriu esse desejo quando adotou o Sérgio.

A lei vigente à época não permitia a adoção por casais homossexuais, impendido Jorge e Pedro de o fazerem juntos. Dadas as possibilidades, Jorge deu entrada dos papéis para a adoção monoparental.

O processo de avaliação cumpriu o estabelecido ao longo de seis meses, dividido entre as entrevistas e a elaboração de um relatório por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Durante este tempo, Jorge nunca mencionou o facto de ser homossexual, e Pedro era referido como um “padrinho e amigo da família”.

“Nós já sabíamos que um teria de ter um papel mais recuado, apesar de que a partilha foi permanente entre os dois. O mais difícil foi quando o Pedro teve de se afastar de casa porque as assistentes sociais estavam lá com a criança. Nada levantou suspeitas nem problemas, mas ele não poder ir ao primeiro encontro e estar ali em casa a conviver nos primeiros dias com o Sérgio foi complicado”, relembra o fotojornalista.

Jorge Cabral, pai de Sérgio

A perceção de Sérgio da família adotiva foi trabalhada pelos pais de forma que ele a “entendesse o mais natural possível”.

A escola teve também “um papel fundamental neste processo”. Jorge recorda a sensibilidade com que a educadora integrou o Sérgio juntos dos colegas dando-lhe ferramentas para ser uma criança feliz. “Tivemos um grande suporte por parte da escola que se prolongou mesmo nas outras escolas do Sérgio, e isso foi muito importante”.

"Tentamos dar referências ao nosso filho, quer seja através da literatura ou filmes, para o preparar para aquilo que ele poderia um dia enfrentar. Dando-lhe assim respostas para ele se conseguir defender. Fizemos sempre muito um trabalho de preparação com ele"
Jorge Cabral, pai de Sérgio

Jorge Cabral com o filho Sérgio. Fonte: DN Life

Jorge Cabral com o filho Sérgio. Fonte: DN Life

Jorge Cabral e Pedro com o filho Sérgio. Fonte: Visão

Jorge Cabral e Pedro com o filho Sérgio. Fonte: Visão

Jorge Cabral, pai de Sérgio

Entre alguns dos motivos que dificultam a adaptação de uma criança ao seu novo lar encontra-se a bagagem emocional. As experiências menos positivas da criança são um obstáculo às relações entre pais e filho e ao bom funcionamento familiar.

O ambiente calmo na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) leva-nos a Joana Lara Soares. Vazios e sossegados, os corredores são reflexo das férias da Páscoa.

Psicóloga e investigadora pós-doutorada no Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção (GIIAA) da FPCEUP, Joana explica a ideia.

Joana Lara Soares, psicóloga e investigadora pós-doutorada no Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção (GIIAA) da FPCEUP

Amândio e Rosa não reconhecem o seu caso nas palavras da psicóloga. Nuno não tem “qualquer trauma de infância” e o casal explica-o sobretudo pelo “ambiente familiar” da instituição onde esteve institucionalizado. Quando uma criança recebe bons cuidados numa casa de acolhimento com poucas crianças, sendo bem preparada para a adoção, pode adaptar-se com mais facilidade à nova família.

Por outro lado, há um ponto onde a história do casal se ilustra na psicologia. Ainda que Rosa atribua a falta de concentração e desorganização de Nuno na escola ao facto de ser rapaz, Joana tem outra explicação.

“As crianças podem ter muita dificuldade de concentração e problemas de hiperatividade. Isto justifica-se pelo impacto da negligência e a falta de cuidado individualizado nos seus primeiros anos de vida”, destaca.

Uma expressão de amor que supera barreiras

“Nós fazemos um processo porque queremos também. É algo para nós e para o outro”

Em Portugal, privilegia-se uma ideia de família biológica em detrimento do bem-estar da criança. O que se explica com o excessivo prolongamento do tempo para a aplicação de uma medida de adotabilidade.

Quando uma criança é encaminhada para uma casa de acolhimento, o tribunal pede aos pais que melhorem as suas condições de vida, em média, num prazo de seis meses. Se no final desse período não conseguirem cumprir o plano, o tribunal pode prolongar a estadia da criança na instituição, dando assim uma nova oportunidade à família.

O problema surge quando as decisões do tribunal, em muitos casos, vão prolongando a estadia das crianças nas instituições durante anos.

“A minha filha foi institucionalizada uma vez com quatro anos, e, passado um ano, devolveram-na à mãe. Não consigo entender como é que passou dois anos com ela. Durante esse tempo, a mãe toxicodependente, recebia um subsídio do Estado para cuidar da menina e com esse dinheiro drogava-se. A minha filha passou muita fome e negligência. Viu coisas que nunca devia ter visto”.
Maria (nome fictício), mãe de Leonor e Inês (nomes fictícios)

É Maria (nome fictício), que através da WebCam reflete sobre a angústia de não conseguir alterar o passado de quem ama. A professora, mãe adotiva, não revela a identidade para proteção das filhas. Leonor (nome fictício), a mais velha, tem 17 anos, e se na tenra idade falava abertamente sobre o assunto, agora procura resguardar-se de qualquer rejeição.

De acordo com dados do Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (CASA), em 2020 encontravam-se em situação de acolhimento 6.706 crianças e jovens. No entanto, apenas a 534 crianças foi decretada a medida de adotabilidade.

Crianças e jovens em acolhimento familiar, residencial, residencial especializado, apartamentos de autonomização e noutras respostas fazem parte deste número total.

Maria também se tornou mãe de Inês (nome fictício) quando ela já tinha dez anos. De uma década de vida, mais de metade dela Inês passou-a institucionalizada.

“É um crime que o Estado português permita uma criança ficar seis anos sinalizada. Não há explicação para perder toda a infância”, salienta. Em média, o tempo de permanência das crianças e jovens em acolhimento estima-se entre os três e os quatro anos.

Joana Lara Soares, psicóloga e investigadora pós-doutorada no Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção (GIIAA) da FPCEUP

A professora não esconde alguma tristeza em não ter acompanhado a infância das filhas, mas procura pensar que têm mais futuro pela frente. “Ninguém contou histórias à minha filha, ninguém lhe leu um livro quando ela era pequena, ninguém estava ao lado dela quando ela aprendeu a ler. Ela não sabia como se portar ou não em ambientes sociais”.

A adoção é um ajuste de expectativas, e para Maria foi importante perceber “que há limitações” para lidar com as filhas.

“Em relação a expectativas é até mais difícil agora porque quando chegam e são crianças, há sempre aquela ideia de que aquilo vai mudar e se vai superar. Elas estão muito melhores do que quando chegaram, mas hoje eu também percebo que as dificuldades ainda existem e irão permanecer sempre”.
Maria (nome fictício), mãe de Leonor e Inês (nomes fictícios)

No mesmo barco dos desafios que uma adoção pode trazer encontra-se Arminda Timoteo. A assistente social abre as portas do seu gabinete para contar uma história marcada pela adoção singular. A vontade de adotar era “um projeto de anos” e trabalhar no âmbito da infância e juventude tornou o processo “mais leve”.

Da vontade à realização, Filipa (nome fictício) chegou à vida de Arminda em março de 2012, dois anos depois da candidatura. Na altura, com 11 anos e com uma irmã biológica mais nova que já tinha sido adotada, a menina viu na adoção a oportunidade de uma vida.

Arminda Timoteo, mãe de Filipa (nome fictício)

Uma das características destas crianças é serem protetoras: em muitos casos, chegam à nova família depois de terem estado na posição de tomar conta dos seus irmãos. O facto da Filipa ter sido capaz de lidar com esta situação deu-lhe um enorme sentido de responsabilidade e justiça. “Recordo-me de ela perguntar à irmã se a tratavam bem, se não lhe faziam mal. Sempre muito preocupada”.

Assim como Jorge, também Arminda teve de arrumar algumas gavetas para lidar com a bagagem emocional da filha. Procurou apoio psicológico desde cedo para ambas, considerando-o o “melhor investimento” para a compreensão mútua. Afinal de contas, “num processo de adoção há ganhos e há perdas. E os ganhos muitas vezes não são imediatos”.

Para Arminda, ser mãe sozinha não é mais difícil do que em casal, mas reconhece que a “rede de suporte” é fundamental numa adoção singular. Ainda assim, dez anos depois, não encontra resposta a uma pergunta: “será a maturidade divisível?”. Recorde-se que uma pessoa sozinha pode adotar se tiver mais de 30 anos, enquanto um casal pode adotar aos 25.

Ana Teresa Pinto Leal, Procuradora-Geral-Adjunta e Coordenadora do Gabinete da Família, da Criança e do Jovem, encontra uma resposta. “O legislador considerou que um casal que já vive junto, apresenta uma maior segurança para a criança e, portanto, a idade é um bocadinho mais baixa. Sobre a adoção singular, acredita que a pessoa deveria esperar mais um pouco para ter uma maior garantia de que é aquilo que quer”, esclarece.

Arminda Timoteo, mãe de Filipa (nome fictício)

A adoção é uma viagem com muitas perguntas e poucas respostas. É um caminho que se faz de mãos dadas. A Arminda representa o Amândio e a Rosa, a Maria, o Jorge e milhares de pais que escolheram dar uma segunda vida a uma criança. “Nós fazemos um processo porque queremos também. É algo para nós e para o outro”.

E quando as expectativas não correspondem à realidade?

“Eu precisei de recorrer a um psiquiatra e de ser medicada. Foi muito duro”

Nem tudo é “um mar de rosas” no mundo da adoção. Ana Antunes e o marido sempre desejaram ter quatro filhos. Depois de três meninos, a tentativa numa quarta gravidez não correu como o esperado. Em conversa, perceberam que a adoção era uma alternativa. Contudo, hoje, a professora garante que, se soubesse o que sabe, não teria entrado neste processo.

É numa das salas do campus de Gualtar, da Universidade do Minho, que Ana partilha uma história pautada pela depressão e a devolução de uma criança. Mas o que não correu bem?

Tal como muitos candidatos, também o casal selecionou algumas características pretendidas para o futuro filho. “A condição era que fosse uma menina, de preferência pequenina”, admite.

Se ao início o processo estava a decorrer sem complicações, após várias entrevistas foram confrontados com a impossibilidade de adotarem. A razão era já terem três filhos biológicos, o que os atirava para o fundo da lista. Surgiu a proposta de se tornarem família de acolhimento, e uma vez que lhes disseram que os pais da criança não eram presentes, aceitaram.

Ana Antunes

“Nós pensamos que iria ser como eles disseram, o que veio a revelar-se uma coisa completamente contrária”
Ana Antunes

Infelizmente, para Ana, a situação não correu da forma como foi apresentada pelos técnicos da Segurança Social. “Os pais biológicos tinham direito a uma hora de visita semanal, num dia estipulado. Eu tinha de levar a criança e era um verdadeiro pesadelo”, recorda com tristeza. Os pais da menina chegavam ao encontro “completamente bêbados e faziam chantagem”, provocando na criança uma grande instabilidade emocional.

Ana Antunes

Os problemas que todo o processo trouxe a Ana, fizeram-na tomar a decisão de devolver a menina. Algo que, ao início, o marido não aceitou. Uma vez tomada a decisão, a solução era lidar com ela da melhor forma, dizia. Mas não era possível para a professora. "Se me queres para os nossos filhos, temos de entregar a menina. Agora é uma opção tua também", pediu ao marido.

“Eu precisei de recorrer a um psiquiatra e de ser medicada. Foi muito duro”
Ana Antunes

A bracarense acredita que devolver a menina à instituição foi o mais correto. “Tomei a decisão certa. A devolução foi má para a criança, mas resultou num alerta para a situação com os pais biológicos”, esclarece.

A menina teve, tempos mais tarde, a medida de adotabilidade decretada pelo Tribunal de Família. Ana reconhece que tudo teve um propósito e percebe que apesar de todo o sofrimento que a família passou, “o resultado foi bom”.

Ainda assim, não deixa de fazer críticas ao trabalho da Segurança Social. “Entregaram-nos a menina e ponto final. O problema poderia ter sido resolvido se tentassem perceber o que se estava a passar e agissem”. O apoio praticamente nulo por parte dos técnicos e a falta de atenção à vida daquela criança respondem ao que correu mal.

Ana Antunes

Casas de "faz de conta" que se tornam uma casa de "verdade"

A realidade dos Centros de Acolhimento Temporário em Portugal é, muitas vezes, uma realidade ignorada. São milhares de crianças que todos os anos procuram nestas casas um lugar seguro que lhes dê conforto e estabilidade. Mas chegam sem saber quando vão sair. As vidas em suspenso, à espera de um lar, refletem-se nos números.

A chuva não dá tréguas na cidade de Guimarães. No centro histórico, perto da Praça da Oliveira, situa-se a Associação de Apoio à Criança. É hora de dormir para os mais novos e um vasto silêncio invade a casa. Num escritório, com grandes janelas para a rua, encontra-se Arminda, uma das assistentes sociais do centro. E mãe de Filipa.

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

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Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Associação de Apoio à Criança, Guimarães

Como é que as crianças chegam aos Centros de Acolhimento? Só há duas formas - através das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou dos Tribunais. “Uma equipa de gestão de vagas, articula com as instituições e inicia-se um pedido para acolhimento através das CPCJ ou de uma medida judicial do Tribunal”, explica Arminda.

Cada vez que surge um pedido são solicitadas informações acerca da criança, com vista a preparar o acolhimento o mais adaptado possível. Contudo, por vezes não há tempo - quando são “situações de perigo iminente em que é necessária uma retirada imediata”.

O acolhimento seguro é o primeiro objetivo destes Centros. A assistente social refere que “a segurança é muito mais do que física. Deve haver uma preocupação com o bem-estar emocional e psicológico”. Com vista a cuidar desse aspeto, a Associação intervém ao nível da estimulação de diferentes áreas. É o caso do acompanhamento psicoafectivo e escolar.

Arminda salienta que “ o facto de o espaço seguro passar a ser a instituição, as figuras de referência são, muitas vezes, os colaboradores da mesma”. Situação que pode trazer consigo problemas quando chega o momento de despedida. “Não saem sem quererem sair. Aqui não”, frisa.

Arminda, assistente social na Associação de Apoio à Criança

Também no norte, a Oficina de S. José (OSJ) é um nome que não passa despercebido aos bracarenses. Fundada em 1899, acolhe rapazes entre os seis e os 21 anos. Serafim Gonçalves, diretor técnico e Edson Luís, assistente social, falam das preocupações que enfrentam diariamente.

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

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Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Oficina de S. José, Braga

Há mais de 20 anos a trabalhar na instituição, Serafim nunca assistiu a um processo de adoção. Isto explica que a nenhum rapaz, em mais de duas décadas, foi decretada uma medida de adotabilidade. Um cenário comum em que “o tempo das crianças não é muitas vezes o tempo dos Tribunais e das várias entidades”.

Serafim Gonçalves, diretor técnico da Oficina de São José

"Às vezes é o superior interesse de tudo e mais alguma coisa menos o das crianças”.
Serafim Gonçalves, diretor técnico

Por aqui, tal como na maioria dos Centros de Acolhimento, o tema da saúde mental não escapa. Num total de 28 crianças acolhidas na OSJ, mais de um terço possui problemas de saúde mental diagnosticados. Aqueles que não os apresentam, muitas vezes revelam “problemas graves de comportamento também associados a estes distúrbios”, destaca Edson.

A grande questão que aqui se coloca diz respeito aos profissionais da área. Haverá psicólogos suficientes para responder aos problemas destas crianças? Joana Soares reconhece que o problema é outro. “A questão não é se há psicólogos suficientes - há muitos psicólogos no mercado. A pandemia e os seus efeitos fizeram-nos ficar muito mais atentos à saúde mental e, consequentemente, à importância do psicólogo”.

O que falta é formação específica nesta área de modo a formarem-se especialistas no tema. Um psicólogo que não domine esta matéria pode desconhecer questões comuns nas crianças adotadas, bem como técnicas de as antecipar e resolver.

A Justiça é amiga das crianças?

Em Portugal, segundo a Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, uma criança é considerada vítima, além de violência física, se visualizar situações de violência doméstica dos pais. Isto quer dizer que o 'stress tóxico' que advém desta exposição é o suficiente para uma criança se cruzar com o sistema de justiça.

É aqui que a promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens entra em ação. Como já sabemos, dando sempre prevalência às medidas que os integrem na sua família ou, por alguma impossibilidade, que promovam a adoção.

Quando o encaminhamento de uma criança para a adoção corre como o esperado, o processo judicial acontece já numa fase final. Quem o refere é Pinto Leite, advogado com especialização na área da família. É no seu gabinete, situado num dos antigos edifícios da cidade de Braga, que juntamente com Gélio Marques, também advogado, nos explica o sistema.

Pinto Leite e Gélio Marques - advogados com especialização na área da família, nomeadamente em processos de adoção

Depois da criança já estar integrada na família adotiva, é “proferida a sentença de homologação da adoção”. É através deste documento que é estabelecida a “filiação adotiva”, sendo irrevogável. Ou seja, “as pessoas não podem retroceder ou tentar desistir”. Para todos os efeitos legais, o menor passa a ser filho legítimo dos adotantes, desligando-se de qualquer vínculo com os pais de sangue e parentes.

Um dos requisitos mais importantes que os pais adotantes necessitam é a questão da idoneidade - a capacidade para lidarem com este “mundo de ganhos e perdas”. Neste ponto são “aliados vários fatores”. 

“Estão em jogo interesses superiores, nomeadamente o superior interesse da criança, que é basilar para ser atendido num processo adotivo”.
Pinto Leite, advogado com especialização na área da família

E podem os pais continuar a beneficiar de um apoio por parte dos organismos técnicos? Pinto Leite assegura que sim. “Os pais podem pedir um acompanhamento por parte da Segurança Social até aos 18 anos da criança”. No entanto, este apoio tem de ser requisitado pois não acontece de forma voluntária, explica Ana Pinto Leal.

Questões que a justiça ainda tem por resolver

"O interesse superior é o da criança", segundo a Lei, é efetivamente essa a preocupação num processo de adoção. Mas, se realmente o fosse, haveria crianças durante anos à espera de uma família?

De acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada por Portugal em 1990, a criança tem, entre outros, o direito a exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe dizem respeito, e o direito a ter uma vida saudável e feliz.

Ao longo das conversas com os pais surgiram algumas sugestões para que a justiça, verdadeiramente, se torne mais amiga das crianças:

- Prolongar a idade de adoção até aos 18 anos;

- Alargar a licença de maternidade / paternidade durante o período de visitas;

- Proporcionar apoio psicológico especializado aos pais e crianças;

- Fornecer apoio escolar especializado;

- Criar grupos de entreajuda de pais adotantes;

- Alertar que o apoio da Segurança Social tem de ser requisitado, visto que a maioria não sabe da sua existência.

Agradecimentos

A todas as pessoas que ajudaram na realização deste projeto. A todos os entrevistados e aos nossos professores.

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Autores

Joana Lopes

Gosto de acreditar que tudo está destinado. Que entramos naquele autocarro porque tínhamos que o fazer, que conhecemos aquela pessoa porque tinha que ser. Quis o destino que eu escolhesse a comunicação e não poderia ter escolhido melhor.

Tiago Picas

Pautado pela (In)certeza da vida, o Tiago nasceu na cidade do galo a 25 de abril do ano de 2001. Filho da liberdade, percebeu desde muito novo que a sua forma de revolução era na comunicação. Curiosamente, anos mais tarde, foi em Ciências da Comunicação, na Universidade do Minho, que conheceu o jornalismo como a sua maior paixão.