"Shoppings fantasma"

Os esquecidos centros comerciais do coração de Braga

Reportagem de Carina Ribeiro, Marta Ferreira e Soraia Fiúza

Se em tempos, os centros comerciais de primeira geração de Braga captavam a atenção daqueles que por lá passavam, hoje, são poucas as lojas que dão vida aos shoppings, localizados no centro histórico. O Shopping de Santa Cruz, o Centro Comercial do Rechicho e o de S. Lázaro fazem parte dessa lista. 

Braga foi considerada a capital do comércio nas décadas de 80 e 90. Mas, com a chegada de grandes superfícies comerciais para a periferia, que trouxeram consigo grandes marcas internacionais, os “velhinhos” centros comerciais no coração minhoto foram caindo no esquecimento pelos demais consumidores. Centenas de lojas foram obrigadas a fechar portas por falta de rendimentos. Algumas delas, estão devolutas há anos e não se reergueram mais. 

"São shoppings fantasma: estão lá, mas ninguém os vê!"

Rui Marques, diretor-geral da Associação Empresarial de Braga (AEB)

Shopping Santa Cruz

São onze da manhã de uma segunda-feira. Muita gente caminha pelas ruas do centro histórico de Braga. Mas nem a chuva forte que se faz sentir convida as pessoas a entrar nos centros comerciais de primeira geração da cidade. Assim acontece no Shopping Santa Cruz. O movimento de pessoas é reduzido, e as poucas que se veem entrar, não é para admirar as montras nem para fazer compras. É sim, para utilizar a caixa de multibanco que existe no rés do chão.  

Ao caminhar pelo espaço, percebe-se que no rés do chão o comércio ainda tem vida e consegue manter vivo o negócio. Mas parece ser um caso único. À medida que subimos para os pisos superiores, são cada vez mais as lojas fechadas do que aquelas que se mantêm abertas. E daí em diante, ao longo dos cinco pisos do edifício. Movimento? Nem vê-lo! É mais fácil ouvir o chilrear dos passarinhos lá fora do que pessoas a conversar.  

Também o conforto, é algo que pouco existe. E se ainda existe algum, é certamente devido a um investimento coletivo dos proprietários e arrendatários das lojas. Foram eles que tiraram dinheiro do bolso para pagar a porta principal, que investiram numa claraboia que protegesse da chuva e que despenderam de oito mil euros para renovar as casas de banho.  

Quem o confirma é Ana Lúcia, proprietária há longos anos da loja ‘Voltagem’. O seu sorriso não revela a realidade de mais um dia de trabalho, em que são relativamente poucos os clientes que colocam os sapatos no seu espaço físico. Conta que o segredo do seu negócio está na página de Instagram, bem como nos clientes habituais que a visitam durante a semana, ora para ver as novidades, ora para colocar a conversa em dia.  

Apesar disso, não se mostra descontente com o negócio. Inclusive nunca pensou em mudar-se para outro local da cidade. “Este negócio já era dos meus pais e enquanto tiver condições, vou ficar aqui”. Enquanto no Shopping Santa Cruz paga uma renda acessível, nos pequenos “cubículos” do exterior só é possível arranjar espaços a pagar acima de “mil euros”. 

Projeto "Reencontro"

Na tentativa de aproximar as pessoas e dinamizar estes centros comerciais de primeira geração, muitos projetos têm sido lançados por parte da Câmara Municipal de Braga e da Associação Empresarial de Braga. Entre eles, “Ativar Braga”, e o mais recente, “Reencontro”, que terminou em dezembro de 2022. Entre as ideias, desenvolveram-se algumas atividades lúdicas, como o Dia do Pai dentro do centro comercial. Mas não foram o antídoto para a existência de um reencontro com os consumidores.  

Rui Marques, diretor-geral da Associação Empresarial de Braga (AEB), confessa que nenhuma destas iniciativas obteve sucesso. “Os próprios lojistas deram-nos esse feedback de que não tinham corrido bem”. 

Ainda assim, o diretor-geral da AEB aponta para a necessidade de uma intervenção urbanística nestes espaços, com obras de melhoramento e simplificação da arquitetura. No entanto, lamenta que não exista “capacidade por parte dos lojistas em acompanhar os investimentos necessários”, o que resulta em “mobília perdida, que perdeu o carisma ao longo dos anos”. São hoje “shoppings fantasma: estão lá mas ninguém os vê”.  

Em 2017, o shopping de Santa Cruz tinha mais de 76% de lojas encerradas, seguindo-se o de S. Lázaro com 61% e a do Rechicho 47%. Estima-se que estes dados tenham sofrido alterações, também devido à pandemia.  

Também Ana Lúcia não vê o projeto "Reencontro" com bons olhos. E não tem dúvidas que esta iniciativa, tal como outras feitas anteriormente, tenham sido um fracasso. “Para mim é tudo show off para aparecer nas notícias”. Diz até que o projeto terá sido mais maléfico do que benéfico. “Arrisco-me a dizer que ainda piorou a situação do centro comercial porque vinham clientes à minha loja a achar que o espaço ia sofrer obras de melhoria quando nem existiu dinheiro para ser investido na requalificação deste espaço".

A solução, segundo a proprietária, não passa por campanhas de atratividade e sensibilização para resolver os problemas. É um trabalho que tem de começar pelo espaço, tornando-o cómodo e seguro. “Temos janelas nos pisos de cima que correm o risco de cair qualquer dia”, conta Ana Lúcia. Felizmente, “as rendas têm aumentado, o que é bom para trazer valor para este espaço”. A proprietária ainda demonstra ter esperança que as coisas melhorem. “Tenho de ser positiva”.  

Estado de degradação da fachada do Shopping Santa Cruz

Estado de degradação da fachada do Shopping Santa Cruz

Estado de degradação da fachada do Shopping Santa Cruz

Estado de degradação da fachada do Shopping Santa Cruz

Centro Comercial Rechicho

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Poucos metros abaixo está o Centro Comercial do Rechicho. Faltam letras na placa onde indica o nome do espaço. O aspeto é de abandono e parece não ter sofrido alterações desde que foi inaugurado, há mais de 40 anos. Mas quem lá entra até fica surpreendido com a quantidade de lojas abertas, que até são algumas. Tem cafés a funcionar, lojas de comunicações, de vestuário, uma caixa de multibanco e até elevadores.  

Maria Pereira vive do comércio há mais de 30 anos e foi no Rechicho que encontrou o seu espaço para o negócio. Proprietária de uma loja de ourivesaria e lojista da 'Rainha de Copas', no rés do chão, viaja ao passado e relembra o sucesso do espaço. Com os anos “foi decaindo”, lamenta. 

Um dos maiores problemas que observa é a falta de estacionamento do centro comercial, que obriga as pessoas a pagar por um lugar nos parques subterrâneos do centro histórico. E não é para qualquer carteira. “Aqui tudo se paga e fica caro. É a matança destes centros comerciais.” Com as obras na cidade e mudanças nos circuitos de autocarros, deixou de ver muitas caras que costumavam passar pela sua loja. “Vinha muita gente à loja depois de deixar os filhos na cresce, que é aqui do lado, e agora isso não acontece”. Com uma média de dez clientes por dia, é cada vez mais difícil suportar o negócio, aquele que é o único que traz rendimentos para pagar as despesas. 

Também Maria não sente diferença nos projetos que têm sido desenvolvidos pela Câmara Municipal e pela Associação Empresarial de Braga. “Falavam umas coisas e no final fizeram outras”. Não esconde o desapontamento com o projeto, que revela ter sido “aliciante, mas as ideias ficaram só no papel”. ”Achei que houve pouco interesse da Câmara. Concretizar? Nada”. 

CENTRO COMERCIAL S. LÁZARO

Continuamos a descer a rua, que ainda está molhada, devido à chuva que se fez sentir. Mas a viagem é rápida e dois minutos são suficientes para chegarmos ao nosso último destino: o Centro Comercial de S. Lázaro. É um dos shoppings que “melhor está localizado na cidade”, segundo Manuel Sousa Pereira. Tem um negócio de seguros nas primeiras lojas do rés do chão, mas é também professor universitário, que lhe garante uma segunda fonte de rendimento.  

Conta que era um espaço "com tudo para dar certo, se não tivesse caído no esquecimento". Das 70 e poucas lojas, “se tiver uma dezena delas abertas é uma sorte”. Tem parque de estacionamento subterrâneo, mas não tem quem preencha o local. A arquitetura do centro comercial é labiríntica, as lojas encontram-se devolutas, os pisos vazios e as paredes completamente vandalizadas. Em qualquer canto há placas de venda e arrendamento, mas não há quem queira adquirir esses espaços. E a pouca vida que o shopping tem deve-se às clínicas de fisioterapia, que tomaram conta do espaço nos pisos superiores.

Como tantos outros proprietários e lojistas, também Manuel Sousa Pereira teme que a memória do centro comercial de S. Lázaro permaneça viva apenas em fotografias e retratos antigos, outrora captados por lentes do tempo dos nossos avós. Felizmente, esclarece que o seu negócio de seguros é apenas um suporte físico para quem o pretende visitar pessoalmente, porque atende maioritariamente em casa, e não espera que “pessoas entrem”. Mas há quem não tenha o mesmo fado e que precise de clientes para sobreviver. 

A voz dos consumidores bracarenses

No exterior, quem caminha pelos passeios não mostra interesse em entrar. Os maiores problemas apontados pelas pessoas são a inexistência de investimento nestes espaços, bem como a falta de atratividade. Em termos gerais, contam que não costumam entrar, ou não têm conhecimento dos centros comerciais de primeira geração. E aqueles que conhecem, e que em tempos longínquos se recordam de frequentar, encontraram novas alternativas, com mais oferta de lojas de vestuário e de restauração.  

O aumento da concorrência fora da cidade foi expandindo com a instalação das grandes superfícies. O antigo Feira Nova, hoje conhecido como Braga Parque, é onde os consumidores confessam passar mais tempo. “É mais atrativo, tem ar condicionado e está sempre cheio, o que não acontece no centro histórico de Braga”. São as grandes marcas que as pessoas mais procuram. Também o Centro Comercial Nova Arcada, inaugurado em 2016, recebe diariamente milhares de visitantes e obtém grandes lucros. Mas demorou vastos anos para abrir ao público, à custa da falta de interesse de grandes marcas em se quererem fixar. Este é um aspeto revelador da dependência das grandes marcas para poder criar um centro comercial e gerar atratividade, e para posteriormente o shopping conseguir obter lucro.

Mas o que mais preocupa, sobretudo as gerações mais velhas que viram estes espaços nascer, reside em como será o futuro destes espaços. "Vinha aqui quando era mais jovem e a solução, a meu ver, passa por reabilitar estes centros comerciais, uma vez que têm a melhor localização, comparados com os outros fora do centro, nas redondezas", perspetiva um consumidor.