"É aqui que se morre de frio"
Pobreza Energética em Portugal
Apesar da perceção geral de que Portugal tem um clima ameno, a realidade é que somos um dos países onde mais se morre de frio. Quem o diz é Manuela Almeida, investigadora em eficiência energética dos edifícios e professora no Departamento de Engenharia Civil na Universidade do Minho. De acordo com os dados do Eurostat, 18,9% da população portuguesa não consegue aquecer a casa. Ainda não há uma definição de pobreza energética oficial a nível europeu, mas João Pedro Gouveia define-a como "a incapacidade de manter a habitação com níveis adequados de serviços energéticos essenciais." O professor e investigador do CENSE - Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade NOVA de Lisboa garante que "as pessoas podem não saber o que é pobreza energética, mas sabem que não passam bem em casa."
Casa adentro
A noite cai e o frio entra pelas portadas da casa térrea onde vivem Cristina e Luís com a sua filha, genro e neta, em Vila Nova de Gaia. Há 34 anos, construíram este lar na esperança de criarem um sítio onde pudessem aumentar a família.
A casa que começou por ser um sonho, acabou por tornar-se num grande pesadelo para Cristina e Luís. Numa casa branca com dois quartos, uma cozinha e uma pequena sala, junto a um minibar, a família conta-nos a sua história.
Cristina revela que a casa foi construída num ano, mas as preocupações com a sua climatização ficaram de lado. “Na altura, nem se falava muito disso ainda, pelo menos, no nosso meio. Se calhar, se fosse hoje, pensaria diferente”, confessa.
O inimigo que se sente
Na casa de Cristina o inverno é muito rigoroso. “É um horror porque a casa é muito fria.” Para tentar remediar a situação, a família recorre ao uso de aquecedores. “Geralmente nós temos sempre na sala um aquecedor e dois ou três espalhados pela casa, que é para a manter toda quente. Se tivermos a porta fechada, ao sair da sala para o quarto, ou se formos para a cozinha, é um frio, que se bate mesmo os dentes.” Esta solução acaba por se fazer sentir na conta da eletricidade da família, “houve invernos em que tive de pagar mais de 300 euros só de luz. É um sacrifício, mas prefiro pagar a ter frio. Uma pessoa para estar em casa tem que estar confortável”, diz-nos.
Recentemente, a família mudou de distribuidora de energia e no processo foi-lhe atribuída a Tarifa Social da Energia, um apoio para pessoas com mais dificuldades monetárias que visa diminuir os impactos da pobreza energética na população. “Agora, na mudança, eles decidiram atribuir-me a tarifa social”, uma vez que Cristina tem um baixo IRS. “Não notei grande diferença, digo-lhe já.”
Os aquecedores vêm com um preço. Para atenuá-lo a gaiense conta que, quando vai dormir, precisa de várias camadas de roupa na cama para se aquecer. “Os lençóis têm de ser polares e o édredon muito quentinho, para uma pessoa não sentir frio, porque senão parece que a cama fica humedecida.”
Se, no inverno, aguentar o frio é difícil, no verão, o calor não dá tréguas e o sentimento de desconforto mantém-se. Para arrefecer a casa, “durante o dia, fechamos as portadas das janelas e com a mangueira molhamos as paredes, o que ajuda a casa a ficar um bocadinho mais fresca”, explica. A noite “é muito quente, não se pode estar aqui dentro.” O calor abrasador obriga ao uso de aparelhos elétricos. “Nós temos que ter as ventoinhas ligadas, portanto, gasta-se luz à mesma”, o que também afeta a fatura da eletricidade.
O inimigo que se vê
Os problemas da casa da família não se ficam pela temperatura. A humidade entra-lhes pelas paredes sem pedir licença e recusa-se a sair, por muito que Cristina a limpe. “Esta casa tem mesmo muita humidade, às vezes, a água escorre pelas paredes abaixo. É horrível”, desabafa. É um inimigo impossível de combater. “Eu e a minha filha temos sinusite, a minha neta, às vezes, também tem problemas respiratórios e a humidade faz-nos muito mal. Por vezes, por causa da asma, custa-me muito respirar e este ar é muito prejudicial à minha saúde”, queixa-se.
Para além da saúde, os objetos da família também são afetados pela humidade. Conta que tinham uma arca e um guarda-vestidos que se estragaram e “tiveram de ser substituídos porque libertavam odor a bolor. Era impossível estar a guardar aquilo”.
A família está a planear fazer obras. “Porque precisamos de uma casa maior”, justifica. O objetivo é aumentar a casa, pois têm uma família numerosa. Contudo, Cristina queixa-se que os trabalhos estão muito atrasados. “A Câmara Municipal demora muito tempo a mandar a documentação que precisamos e andamos há um ano nisto”, explica. Neste processo, a família vai melhorar o isolamento da habitação. Na altura, pediram ao empreiteiro para revestir as paredes, o que as vai proteger da humidade. “Espero que dê resultado.”
Se o dinheiro não fosse problema, Cristina diz que “já estava tudo feito.” O quê? “Punha aquecimento central dentro de casa, para não precisarmos de andar com os aquecedores e trocava para janelas duplas, que, na altura, não pusemos porque também não se falava muito disso”, enumera.
Quarto da filha de Cristina onde dorme com o marido e a filha.
Quarto da filha de Cristina onde dorme com o marido e a filha.
Berço da neta de Cristina forrado com esferovite para a proteger do bolor.
Berço da neta de Cristina forrado com esferovite para a proteger do bolor.
Cristina e o seu marido, Luís.
Cristina e o seu marido, Luís.
A família de Cristina na sala.
A família de Cristina na sala.
Canto na sala de Cristina onde o bolor se funde com a decoração.
Canto na sala de Cristina onde o bolor se funde com a decoração.
Cristina anseia pela início das obras na sua casa.
Cristina anseia pela início das obras na sua casa.
Também o minibar é afetado pelo bolor da casa.
Também o minibar é afetado pelo bolor da casa.
Onde o frio habita
Flórido e Irene aquecem-se junto à salamandra, onde recordam a sua história. Irene viajou desde Resende até Santa Maria da Feira para trabalhar para Maria. Assim conheceu Flórido. “Comecei o namoro com ela no dia de S. João, a vir da fábrica onde trabalhava e daí continuámos até hoje”, conta o feirense.
A patroa de Irene ficou viúva e sentia-se solitária. Para lhe fazerem companhia, a proprietária transformou os anexos num lar para o casal. Guardam muitas memória da casa onde vivem há 30 anos. “Era uma casa velha, eram aidos, mas foi renovada para virmos para aqui. Isto era uma casa deserta, tinha ramadas por cima e não tinha luz”, refere o marido. “A casa foi feita de novo para nós.”
A salamandra que serve de cenário para esta história é a única fonte de aquecimento do casal. “O meio é este, não temos outro.”, diz Flórido. “É como na cama, se temos mais frio, usamos mais roupa, se temos mais calor, tiramos a roupa. Não há outra hipótese.” Ao longo da vida, o casal apenas usou aquecedores a biomassa. “Eu tinha fogão de lenha, mas isto é mais limpo”, explica. A salamandra funciona a pellets, ou granulado, ou então, "caganitas", como Flórido lhes chama. Um saco com 25 quilogramas de pellets custa-lhe 3,70€. “A gente carrega a salamandra de manhã e dá para todo o dia”, acrescenta.
A falta de fontes de aquecimento representa um problema vivido por muitos portugueses. Aquilo que é relativizado pelos octogenários, revela-se um entrave ao uso da habitação. “Está parada a sala”, aponta Irene, “porque a gente está aqui mais quentinha.” Flórido conclui, “fecha-se as portas da cozinha e estamos aqui consolados, nós os dois.”
As técnicas usadas para se arrefecerem no verão são semelhantes às do inverno. Menos roupa, portas e janelas abertas e, por vezes, uma ventoinha para fazer circular o ar. “Com as nossas idades, o calor é cada vez menos, é mesmo assim”, salienta Flórido. “Quando temos mais calor, vamos lá para fora. A mulher tira a roupa e eu também.”
Mesmo se pudessem, Flórido e Irene não mudavam nada. “Estamos bem, felizmente, vamos tendo saúde”, reconhece o marido. Com três filhos, três noras e cinco netos, o casal garante que não tem “nada a apontar.”
“Vai-se fazendo aos poucos.”
Um grande portão dá as boas-vindas ao interior da casa de Pedro. Os campos verdes que circundam a casa de granito emolduram-na num retrato de tranquilidade. O que foram ruínas, agora, é o lar de Pedro e da sua família. “Fomos fazendo as obras aos pedaços e depois viemos para cá”, partilha. Quando há 17 anos e meio se mudaram para a casa restaurada sonhavam com a sua modernização. “As primeiras obras foram as mais radicais.” Entre acréscimos e demolições, o interior da casa foi redesenhado. “Muitas coisas ficaram por fazer ao início e fomos fazendo com a passagem dos anos”, admite.
Depois da estrutura, era importante pensar no conforto térmico. “Esta casa é fria, é de granito e começámos a perceber que por mais que se aquecesse o calor fugia todo.” As caixilharias feitas de madeira deixavam o frio entrar, mesmo com as janelas fechadas. “Começámos a pensar que antes de investirmos em equipamento de aquecimento central, tínhamos que evitar que o calor saísse”, afirma Pedro, “percebemos que não havia a mínima eficiência.”
E este foi o ponto de partida. Em 2017 substituíram as caixilharias e ainda revestiram o interior do telhado. “Colocámos subtelha e dentro da subtelha pusemos roofmate”, placas de isolamento térmico para o telhado, explica Pedro. Há dois anos, colocaram isolamento térmico exterior em “todos os lados da casa”. Esta “foi a última obra de revestimento e isolamento” que fizeram. Pedro diz que há ainda alterações que querem a fazer na casa, como a troca de portas. “Vai-se fazendo aos poucos”, desabafa.
Pedro suportou todos os custos destas obras. “Acho que ainda não estava em vigor nenhum tipo de programa de apoio.” Entretanto, a família alterou a fonte de energia da habitação. “Nós aquecíamos a água com cilindros elétricos e substituímos por uma bomba de calor e, para isso, já tivemos apoio do Fundo Ambiental do Estado”, esclarece.
Quando decidiu alterar a fonte de energia, Pedro começou por estudar “o rendimento” e pedir orçamentos, para perceber “o que é que fazia sentido.” A escolha recaiu pela instalação de oito painéis fotovoltaicos, que são monitorizados através de uma aplicação para telemóvel.
O programa do Fundo Ambiental abrange a produção de energia fotovoltaica. “Submetemos o projeto, que já está pré-aprovado”, conta.
Uma amiga engenheira civil sabia que Pedro estava interessado em fontes alternativas de calor e enviou-lhe a legislação. E como funciona este processo? “Não posso dizer que é complicado, mas é minucioso.” Para se candidatar foi preciso recolher “uma série de documentos”. Pedro teve de fotografar a situação prévia à instalação dos painéis fotovoltaicos e após a instalação. “O instalador tem de ser autorizado pelo estado e ter uma licença específica”, esclarece. Como o processo é online “é preciso estar à vontade com a digitalização de documentos.” Tudo isto exige “ter atenção e paciência, mas não é difícil, é chato."
Ter uma casa eficiente alterou a vida da família. “O ganho em conforto é muitíssimo”, garante. Por trás destas mudanças houve duas grandes motivações, a económica e a ecológica. “Com a produção de energia elétrica é evidente que há um ganho económico muito grande, porque reduz a despesa com eletricidade." A preocupação com as questões ambientais é central na família de Pedro. “Temos energia mais limpa, que não é combustível fóssil” e acrescenta, “no contexto sociopolítico atual, isto veio confirmar a boa escolha que fizemos.”
Porque vivemos assim?
Já é entendido que a pobreza energética é um fator transversal a inúmeras camadas da população portuguesa. A normalização do bolor nas paredes, das noites geladas no inverno e abafadas no verão é um acaso, ou haverá algum fator que nos empurra para a ineficiência energética? João Pedro Gouveia, Manuela Almeida e Paulo Mendonça analisam este fenómeno.
João Pedro Gouveia explica que a pobreza energética em Portugal “deve-se a uma combinação dos baixos rendimentos, com o fraco desempenho energético das habitações, a reduzida qualidade de equipamentos usados e os elevados custos energéticos.” Para otimizar a climatização, Manuela Almeida defende o uso de “equipamentos para assegurar as condições de conforto dentro dos edifícios, tanto de inverno como de verão.” É necessária uma preocupação com a maior eficiência estrutural da própria habitação e só depois implementar equipamentos de aquecimento ou arrefecimento. “Antes de irmos à climatização, temos de garantir uma qualidade mínima na construção dos edifícios, não ligada aos equipamentos.”
A “qualidade mínima dos edifícios” é atingida “com aquilo que nós chamamos de medidas passivas. As medidas ativas são os equipamentos. As medidas passivas são as ações, as intervenções, que nós podemos fazer a nível da envolvente dos edifícios, as paredes, os envidraçados, as coberturas. É por aí que devemos começar”, sugere Manuela Almeida.
Outras medidas passivas são referidas por Paulo Mendonça, professor de Sustentabilidade na Escola de Arquitetura Arte e Design da UMinho e investigador em design e tecnologia. Do ponto de vista da construção das casas, estas devem ter orientação para sul de forma a obter uma “exposição solar correta.” Esta técnica ajuda a aquecer as casas no inverno e “no verão permite-nos ter uma maior proteção à exposição solar quando o sol está mais alto.” Com o aumento da população que vive em prédios cada vez mais altos, “haverá sempre apartamentos que estão mal orientados”, mas o arquiteto argumenta que “o desenho pode tentar solucionar isso.”
Por outro lado, Paulo Mendonça explica que “também não podemos ambicionar ter equipamentos demasiado eficientes, se depois não temos dinheiro para os manter.” A população deve então perceber todos os fatores e variáveis que devem ter em conta quando procuram o equilíbrio entre o preço, a eficiência e o conforto.
Para a engenheira, uma das grandes fontes da despreocupação e desvalorização deste tema é o próprio clima português. “Nós temos um clima ameno.” Desta forma, contrastamos com os países nórdicos, que “não têm hipótese de não climatizar as suas casas, os seus edifícios, porque, se não climatizarem, morrem.”
Na mesma linha de pensamento, Gouveia diz que, ao contrário do que acontece em grande parte dos países da Europa, o investimento em redes de calor não seria viável, em Portugal. A justificação encontra-se no facto do inverno ser intenso durante apenas algumas semanas. “O investimento nas redes de calor acaba por não ser viável se só temos necessidade disso um mês por ano e esta técnica também só funciona em zonas com grande densidade populacional.”
Manuela Almeida refere outros fatores que incluem a qualidade baixa das construções e a desvalorização das questões energéticas. “Quando nós pensamos em fazer obras em casa nunca é por questões energéticas. É uma tradição, nós não temos essa cultura”, reforça a professora. No entanto, “é aqui que se morre de frio, não é na Suécia.” Também a falta de informação se reflete na inércia da população, porque “as pessoas têm más condições dentro das próprias casas e nem sabem o porquê, nem como podem ultrapassar esse problema.”
Grande parte das questões estruturais nas casas portuguesas remontam aos anos 60 e 80. Estas décadas presenciaram o início do êxodo rural e a vinda dos retornados das ex-colónias para Portugal. “Havia a pressão de construir barato, rápido e não havia regulamentos. Construiu-se muito, mas mal”, revela João Pedro Gouveia.
Em vários países europeus “houve uma preocupação em criar regulamentação para a boa construção”, desde os anos 50 e 60. Em Portugal, este cuidado só surgiu nos anos 90 com “o primeiro regulamento térmico.” Este atraso na legislação reflete-se na ineficiência energética dos edifícios. “Das seis milhões de habitações, em Portugal, só dois milhões estão certificadas. Mais de 70% dos edifícios classificados são ineficientes (classe energética C ou menor)”, acrescenta o investigador.
A certificação energética das habitações mede a eficiência numa escala de A a F, sendo A mais eficiente e F menos eficiente. Geralmente, “uma casa é certificada quando é recente ou está no mercado.” João Pedro Gouveia projeta que, “se tivéssemos a certificação de todas as casas, o panorama seria bem pior.”
As soluções de aquecimento das casas portuguesas também são distintas das europeias. Segundo dados do INE e da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), a fonte de aquecimento mais utilizada em Portugal é a eletricidade, seguida pela biomassa. Principalmente no meio rural há a prevalência do uso de lareiras e salamandras, o que não se verifica na maior parte dos países europeus. Esta realidade portuguesa deve-se a “um acesso facilitado à lenha, porque muita gente a vai buscar aos seus terrenos”, explica Gouveia.
Já nas grandes cidades, a opção recai nos termoventiladores ou aquecedores a óleo. “Andamos a passear o aquecedor pela casa fora. Isto é uma experiência quase só portuguesa”, acrescenta o especialista. Esta aparenta ser uma solução mais barata, mas é “altamente ineficiente”, por isso, o combate à pobreza energética “também é tentar melhorar a eficiência dos equipamentos que utilizamos."
E quando, em vez de frio, temos calor?
Apesar de se associar a pobreza energética ao frio, a mantas e a aquecedores que gastam muito, a realidade é que a pobreza também se sente com o calor. Quando a temperatura aumenta e as noites abafam, os portugueses recorrem às ventoinhas. João Pedro Gouveia alerta que apesar destes equipamentos serem "considerados uma ajuda no arrefecimento, efetivamente não reduzem a temperatura e são ineficientes.”
Uma das principais preocupações do investigador cabe nas ondas de calor que tendem a piorar com o aquecimento global. “Precisamos de ter equipamentos que respondam a uma vaga de 15 dias de calor. Os problemas com o arrefecimento são muito transversais, mas a faixa interior de Portugal é talvez a mais vulnerável.”
O ar condicionado é uma forma de combater estes obstáculos. No entanto, segundo o professor, “o ar condicionado só é usado em 15% das habitações no nosso país. Comparativamente, na Califórnia, que tem um clima semelhante ao nosso, esta taxa chega quase aos 100%.” Estes dados refletem as barreiras económicas e culturais que os portugueses enfrentam para perceber quais os equipamentos e processos que resolvem os problemas térmicos das suas casas com mais eficiência.
Segundo João Pedro Gouveia, “estudos europeus mostram que os grupos mais vulneráveis são os idosos e as famílias com crianças. Os bebés, crianças e idosos têm menos capacidade adaptativa a diferenças de temperatura.” Consequentemente, as zonas do país que se mostram mais vulneráveis ao desconforto energético são as ilhas e o interior norte. Como é habitual, estas áreas sofrem da carência de apoios públicos, de baixos rendimentos e uma larga utilização de equipamentos de climatização pouco eficientes, por exemplo, as lareiras.
Porque pagamos tanto?
O preço da distribuição de energia para a população está ligado ao preço de mercado de aquisição de energia. Quem o diz é a DGEG. “Parte do problema tem a ver com a atual conjuntura mundial, onde se registam elevados preços nos mercados de aquisição de energia o que determina o preço final.”
Simultaneamente, o preço de mercado da energia é uma consequência do custo das matérias-primas usadas para a produzir. Em 2021, “deu-se início à recuperação económica, pós pandemia. A procura de gás-natural e de carvão aumentou e os países depararam-se com baixas reservas destas matérias, o que fez naturalmente aumentar o seu preço com reflexos no custo da energia.” Este aumento foi inflacionado devido ao alargamento do preço das licenças de emissão de dióxido de carbono.
Em Portugal, a situação complicou-se no verão de 2021. Apesar da tendência portuguesa se virar para as energias renováveis durante o verão, “a produção eólica foi relativamente baixa nesse ano e a produção hidroelétrica tem um custo de produção superior nos meses mais quentes.” E assim “o recurso às centrais de gás-natural foi necessário.” Este problema agravou-se no inverno porque Portugal tende a necessitar de mais energia durante os meses frios “e o gás-natural é o material preferencial usado nos sistemas de aquecimento.”
O quadro sociopolítico europeu atual é ainda mais um fator marcante nos preços da eletricidade. “A guerra na Ucrânia e as sanções ao acesso dos países europeus ao gás-natural fizeram com que o valor deste bem tão valioso se mantenha em alta.” No entanto, a DGEG explica que a inflação se está a fazer sentir menos em Portugal que noutros países europeus.
No nosso país, “a política energética portuguesa privilegia desde há alguns anos a produção de eletricidade com base em energias renováveis e limpas” e a implementação de tecnologias mais avançadas para esse efeito. Assim, o preço da energia em terras lusitanas acabava por ficar mais alto. Isto é, “o motivo que levou a que, antes desta crise energética, Portugal fosse um dos países da Europa com o preço mais elevado de energia, faz com que a atual crise não seja tão sentida pelos consumidores.”
A DGEG reforça que "esta situação veio evidenciar a necessidade de a política energética continuar a privilegiar de forma racional e sustentada a produção de eletricidade com base em energias renováveis e limpas e a progressiva descarbonização da economia.”
Então, e agora?
Neste momento, a DGEG afirma que a “Estratégia de Longo Prazo para Combate da Pobreza Energética” aguarda aprovação. O projeto prevê “ações nos edifícios residenciais com pior desempenho energético, nomeadamente os alojamentos de habitação permanentes construídos antes de 1990.” Estas casas são representantes de 65% do parque habitacional português existente em 2018.
Até 2040, o objetivo é “atuar nos restantes edifícios residenciais construídos até 2016”. Segundo a DGEG, “a concretização deste objetivo vai permitir, de forma bastante considerável, reduzir as situações de pobreza energética em Portugal.”
O Projeto ARCAS, no qual Manuela Almeida está envolvida, decorre até março de 2023. “O principal objetivo deste projeto é desenvolver uma metodologia de avaliação das condições de habitação social."
O ARCAS é "um projeto da região do sudoeste europeu, com o envolvimento de três países", Portugal, Espanha e França. Em Portugal, o projeto foi aplicado em Braga, em colaboração com a UMinho, nos bairros das Andorinhas, Enguardas e Santa Tecla.
A ação dos Partidos
Com a discussão, em Assembleia da República, do Orçamento de Estado de 2022, foram aprovados os programas de apoio à eficiência energética na habitação, propostos pelo Livre e PAN. Com votos a favor do PS, BE, IL e PAN, contra do PSD e abstenção do Chega e PCP. Quais são afinal as medidas apresentadas por cada partido nesta matéria?
Segundo Miguel Heleno, cabeça de lista pelo BE no círculo eleitoral de Fora da Europa, o partido “defende que o processo de transição para as energias renováveis é uma oportunidade para fazer as coisas de outra forma, trazendo novos agentes económicos, como as comunidades de energia renovável, reconvertendo empregos e acabando com os monopólios na energia.”
No ponto 6.3 do Programa Eleitoral é proposto “que todas famílias com rendimentos abaixo dos 2000€/mês e uma fatura energética elevada possam usufruir de apoios.” Para famílias com casa própria, o financiamento de intervenções com vista a melhorar o conforto térmico da habitação seria a 100%. No caso de habitações arrendadas, este financiamento para as intervenções foca-se em senhorios com inquilinos em situação de pobreza energética. “Neste regime, a percentagem de financiamento dependerá da duração do contrato.”
Sobre as propostas da IL acerca da pobreza energética, o assessor Jorge Teixeira explica que o partido defende a “criação de condições para que não haja uma corrida súbita à reabilitação de edifícios.” Esta corrida pode “gerar uma crise de oferta que empurre excessivamente os preços destas intervenções.” Para além disto, afirma que “o estímulo à produção autónoma de energia é um tema consensual em todo o espectro político devido às possibilidades que abre na eficiência energética das casas e edifícios, concedendo mais autonomia às pessoas e liberdade de gerirem a sua produção e consumo energéticos.”
Segundo Ana Bernardes, membro da administração do LIVRE, o partido defende “a redução do consumo de energia decorrente da reabilitação dos edifícios." Este processo vai contribuir para vários fatores como "a diminuição do consumo de combustíveis fósseis, a recuperação económica, a mitigação das desigualdades sociais e para uma melhoria generalizada das condições de vida dos cidadãos”, defende o partido.
O combate à pobreza energética é uma das bandeiras do PAN, sendo referido várias vezes ao longo do programa eleitoral de 2022. Rafael Pinto, membro das Comissões Políticas Nacional e Permanente, afirma que o partido “pretende aumentar o valor total para o apoio à eficiência energética.'' Segundo o porta-voz, Portugal precisa de 380 milhões de euros por ano. O partido tentou negociar este valor para o Orçamento de Estado de 2022, tendo conseguido 280 milhões de euros.
Após contactados, o PS, PSD e PCP não se mostraram disponíveis para esclarecimentos sobre as suas propostas. O Chega não tem propostas para combater a pobreza energética no mais recente programa do partido.